O objetivo deste breve ensaio será apresentar a doutrina do Financiamento Rural em seis breves tópicos, nos quais estarão abordadas as principais questões jurídicas que cercam este instituto.
Obviamente, não se pretende esgotar toda matéria. Ao contrário, pretende-se fazer um breve resumo, em que, através dos conceitos abordados, o leitor possa ter uma noção ampla e criar o interesse em se aprofundar no assunto.
I – Financiamento Rural, um crédito especial
Sem menosprezar as demais, é possível afirmar que a agricultura é uma das atividades econômicas mais importantes para o Brasil. Com uma boa estrutura de produção de alimentos, o desenvolvimento se solidifica, a ordem pública é garantida e o Estado se fortalece para ter voz em suas relações internacionais. Afinal, alimento é poder e quem tem poder tem voz (“Food is Power” – o empoderamento do país).
Quando o Brasil é chamado celeiro do mundo, muito mais do que um lugar de produção agrícola, há de ser visto e considerado como merecedor de respeito por todos, conquanto capacitado para garantir a vida e a subsistência não só do seu povo, mas de muitos outros.
Qualquer país com alto grau de desenvolvimento tecnológico, de elevado potencial bélico ou mesmo com avançado projeto espacial precisará de uma boa alimentação para se manter em ordem e ir bem em todos os seus intentos, posto que o alimento é necessidade primária do ser humano.
Com este grau de importância interna e externa, o Estado brasileiro deve ser favorável e atuar positivamente em prol do seu setor produtivo primário, olhando para o produtor rural como um verdadeiro agente do bem comum, que, a despeito de desenvolver uma atividade de interesse eminentemente privado, colabora para o benefício de toda a coletividade e desenvolve elevada função social.
Não foi sem razão que o legislador resolveu criar uma linha de crédito especial voltada ao fomento da agricultura, a saber, o crédito rural, cujo financiamento segue regras próprias de contratação, aplicação e condução.
Embora o financiamento rural seja aplicado no setor agrícola por intermédio dos agentes financeiros, ele não é e nem pode ser confundido com uma operação bancária comum, pois as regras que devem ser cumpridas pelo financiador na sua contratação são diferentes daquelas que se observa para contratar nas demais operações de crédito e, diga-se de passagem, mais voltadas ao interesse do financiado do que propriamente do financiador.
Assim, para que os objetivos do crédito sejam alcançados e o setor se desenvolva bem, a lei colocou a operação sob os cuidados do Conselho Monetário Nacional, autoridade competente para estabelecer todas as condições do contrato. Deste modo, quando o financiador vai contratar uma operação de crédito rural, as cláusulas que constarão da cédula deverão estar autorizadas diretamente por ato normativo do Conselho ou por preceito legal expresso, já que sua liberdade de contratar não é absoluta.
Isto significa dizer que o agente financeiro não tem autonomia para exigir do mutuário rural, através do financiamento que lhe concede, senão aquilo que está autorizado a fazer por ato de quem disciplina o mútuo. Se ocorrer do produtor rural assinar uma cédula de crédito rural que contenha cláusula cuja disposição não foi autorizada pela Lei ou pelo referido Conselho, a estipulação não tem valor jurídico contra ele e, caso o credor insista em aplicar seus termos ao contrato, o devedor poderá se valer da proteção jurisdicional de rever para o negócio.
Quando se vai à jurisprudência, é possível encontrar decisões que modificaram de forma significativa cláusulas cedulares que não tinham o amparo legal para serem aplicadas.
E não somente no que diz respeito às cláusulas do financiamento, mas também na própria maneira como a operação de crédito rural é conduzida, pois deve o agente financeiro observar o que lhe foi determinado fazer.
Quanto à legislação que rege essa especialíssima linha de crédito, além da Lei 4829/65 que instituiu o crédito rural, juntamente com seu Regulamento – Decreto 58380/66 – é de se considerar o DL 167/67 que criou a cédula de crédito rural e a Lei 8.171/91, conhecida como Lei Agrícola.
Como o crédito rural deve ser aplicado tendo em vista o bem-estar do povo, conforme determina o art. 1º da Lei 4829/65, isto o tornou uma modalidade de financiamento de relevantíssimo interesse social, merecedor de proteção extrema para cumprir tão elevada vocação.
II – Origem dos recursos
O crédito rural se vale de fontes específicas de recursos na contratação dos financiamentos, as quais são divididas em dois grupos distintos, a saber, recursos controlados e não controlados.
São considerados recursos controlados: os obrigatórios; os das Operações Oficiais de Crédito sob supervisão do Ministério da Fazenda; os de qualquer fonte destinados ao crédito rural na forma da regulação aplicável, quando sujeitos à subvenção da União, sob a forma de equalização de encargos financeiros, inclusive os recursos administrados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); os da poupança rural, quando aplicados segundo as condições definidas para os recursos obrigatórios, de que trata o MCR 6-2; os dos fundos constitucionais de financiamento regional; e os do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé).
Os demais são enquadrados na modalidade recursos não controlados.
Fonte dos recursos
A instituição financeira que concede o financiamento deve consignar, no instrumento de crédito, a fonte dos recursos utilizada no financiamento seguindo a classificação de recursos controlados ou não controlados, registrando, se for o caso, a denominação do fundo, programa ou linha específica.
A inserção da fonte dos recursos do financiamento no instrumento de crédito tem grande importância para justificar a cobrança dos juros nas taxas contratadas, a prorrogação do contrato em face de normativos do Conselho Monetário Nacional, o enquadramento do débito em eventuais programas de liquidação, etc.
Quando se tratar de financiamento rural lastreado em recursos dos fundos constitucionais, as normas, procedimentos e condições operacionais estão sujeitas à legislação específica aplicável.
Se houver alteração da fonte de recursos da operação de crédito no transcurso do financiamento, o que pode ocorrer sob observação de regras especiais, o processamento se dá mediante aditivo contratual firmado pelo financiador e o financiado e, se for o caso, o avalista e o terceiro garantidor.
Vale trazer como exemplo que a restituição do diferencial do Plano Collor, dentre outras coisas, somente está assegurada ao financiamento cuja cédula traz em seu contexto a informação de que o crédito foi contratado com recursos da caderneta de poupança rural que, como acima observado, faz parte dos denominados recursos controlados.
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Pelos grandes efeitos jurídicos que a fonte de recursos exerce sobre o financiamento e seus muitos desdobramentos, é importante que o financiado esteja atento a este registro na cédula, de modo que eventual demanda a ser instaurada leve em conta tal informação.
III – Liberação dos recursos do Financiamento Rural
Conforme tratado no primeiro tópico, o crédito rural, ao se propor a garantir o bem-estar do povo apoiando uma das atividades mais essenciais para o País, sua disciplina segue regra própria que financiador e financiado não podem deixar de observar. Das estipulações e das condições do financiamento ditadas pelo Conselho Monetário Nacional, a primeira a ser considerada nesta série de artigos diz respeito à liberação dos recursos em favor do financiado.
A partir do momento que o financiado contrata uma operação de crédito rural com o agente financeiro, sua expectativa é que os recursos previstos na cédula sejam liberados no tempo, na forma e de acordo com a conveniência do empreendimento (custeio/investimento), de modo que nenhum serviço tenha prejudicada sua realização pela liberação tardia ou parcial das verbas programadas no contrato.
Para proteger o financiado e, consequentemente, a atividade financiada de possíveis prejuízos pela inexecução dos serviços necessários ao empreendimento financiado, o Conselho Monetário Nacional estabelece em seu Manual que o financiador deve liberar os recursos do financiamento obedecendo o cronograma das aquisições a serem feitas e dos serviços a serem realizados, o que exige que todas as providências ao seu alcance sejam tomadas para este fim.
Como em certos tipos de financiamento a liberação dos recursos fica condicionada a providências da instituição financeira ou mesmo da assistência técnica, o financiador não poderá retardar a liberação dos recursos em face de omissão na realização de fiscalização que deveria fazer.
Deste modo, se, no cronograma de liberação dos recursos constante da cédula, ou do orçamento nela previsto está estipulada a data em que o crédito será feito na conta do financiado ou de terceiros, nesse tempo e no valor ali indicado o financiador deverá providenciar o lançamento.
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Aliás, o Manual vai mais além e dispõe que as utilizações programadas no financiamento podem ser ou antecipadas, ou adiadas, quando houver justificada conveniência para o empreendimento crediticiamente assistido.
A liberação dos recursos no valor e nas datas programadas no contrato pode interferir diretamente no sucesso ou não do empreendimento, pois qualquer serviço que deixa de ser realizado no tempo certo por falta de verba pode trazer prejuízos de difícil ou mesmo de improvável reparação para o produtor rural. Tal é o caso, por exemplo, dos serviços de colheita da lavoura, que, uma vez retardados, podem acarretar a impossibilidade de sua realização mais à frente por conta de chuvas excessivas, ou mesmo a perda de qualidade do produto pela maturação excessiva, ou outra razão qualquer.
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Portanto, uma vez contratada a operação de crédito rural, o financiador assume com o financiado a obrigação de cumprir o cronograma de liberação dos recursos do financiamento, atraindo para si a responsabilidade de reparar ou indenizar o produtor rural do dano que porventura tenha sofrido quando o prejuízo comprovado tenha a ver com a realização extemporânea dos serviços em face da tardia liberação das verbas.
Este zelo do Conselho, ao dispor que os recursos do crédito rural devem ser liberados segundo a conveniência do empreendimento, se justifica quando se tem em conta que a produção de alimentos é uma atividade importante para o País, e que, econômica e socialmente falando, seus reflexos são sentidos imediatamente por todos.
Ademais, a partir do momento em que resolve aplicar recursos no crédito rural, o agente financeiro já está ciente de que deverá fazê-lo, submetendo toda sua prática aos preceitos do Manual de Crédito Rural.
IV – Fiscalização
Ao conceder financiamento que envolve crédito rural, por previsão expressa contida no art. 10 da Lei nº 4.829/65, o financiador tem o dever de fiscalizar a operação visando a correta aplicação dos recursos nos fins previstos no contrato.
Para realizar o processo fiscalizatório, o financiador deve seguir regras específicas ditadas pelo Conselho Monetário (CMN), que tem competência para estabelecer as normas operacionais do financiamento, nos termos do contido no art. 14 da mesma Lei nº 4.829/65.
Recomendações para a fiscalização
Dentro da disciplina lançada pela referida Autoridade para observância do financiador no âmbito da fiscalização vale destacar, dentre outras, as seguintes recomendações:
1. A responsabilidade fiscalizatória é da instituição financeira, mesmo quando contrata profissionais especializados para realização dos serviços;
2. O serviço de fiscalização deve elaborar laudo próprio para cada visita realizada na propriedade, fazendo constar todas as observações pertinentes, inclusive recomendações porventura feitas ao financiado;
3. A fiscalização pode ser feita pelo método presencial, documental ou remoto, conforme o caso;
4. Nos casos de custeio agrícola é preciso que a fiscalização ocorra antes da época da colheita, enquanto no custeio pecuário quando for possível verificar a correta aplicação dos recursos. Nos casos de investimento se se trata de crédito para construções, reformas ou ampliações ou para aquisição de máquinas, equipamentos etc., segundo os prazos recomendados no Manual;
5. Os laudos de fiscalização são documentos de grande importância na condução do crédito rural, podendo ser utilizado pelo financiador em processo administrativo ou judicial que envolva o financiamento.
A importância do laudo de fiscalização
Como o financiado tem interesse direto no modo como o agente financeiro realiza a fiscalização, é seu direito tomar conhecimento do laudo para verificar o que nele foi observado sobre o financiamento.
É sempre oportuno o financiado estar alerta sobre o laudo, pois muito do que dele consta pode ser utilizado para defesa no próprio processo de cobrança judicial do financiamento proposto pelo financiador.
Ainda vale ressaltar que o laudo de fiscalização do crédito rural deve ser assinado por profissional que tenha qualificação profissional suficiente para o ato.
Laudos mal elaborados podem ser objeto de impugnação pelo financiado e não podem ser tratados pelo agente financeiro como documento protegido por sigilo bancário.
Também muito importante que o produtor rural não só faça a aplicação dos recursos dentro da finalidade programada no financiamento, como também que seja diligente o bastante para guardar toda e qualquer documentação que seja idônea para comprovar as aquisições e os serviços realizados.
Com efeito, a qualquer momento o financiador poderá exigir que o financiado apresente os documentos que comprovem os serviços ou aquisições realizadas, já que está no âmbito de sua obrigação legal fiscalizar a correta aplicação do crédito rural.
Outrossim, não é menos certo que em face de acionamento de eventual cobertura do seguro agrícola ou mesmo do PROAGRO, a documentação da aplicação dos recursos no tempo e na finalidade acaba sendo relevante.
V – Encargos financeiros no financiamento rural
Anteriormente, foi visto que o crédito rural possui natureza fomentista voltada a uma das mais importantes atividades econômicas do País, qual seja, a produção de alimentos. No segundo momento, que os recursos contratados devem ser liberados, acima de tudo, segundo a conveniência da atividade financiada que tem proteção especial. Agora, é tempo de destacar que os custos financeiros da operação seguem também disciplina própria de estipulação, justamente para que o financiamento colabore para o desenvolvimento econômico do seu tomador, ao invés de ser mais uma linha de crédito voltada ao interesse do ganho financeiro do seu aplicador. Para tanto, é possível notar que os custos financeiros do crédito rural estão sob vigilância absoluta do Conselho Monetário Nacional, quando não da própria lei, de modo que o financiador não pode se distanciar dos seus preceitos.
Neste sentido, pode-se dizer que, contrariamente ao que se pratica nas operações bancárias comuns, no crédito rural a fixação das taxas de juros não estão postas ao arbítrio do financiador exatamente para evitar a incidência de juros incompatíveis com o interesse do setor agrícola. A lei, deste modo, delegou competência ao Conselho Monetário Nacional para fixar o índice de juros que o agente financeiro pode praticar em cada operação, o qual é sempre fixado em percentual mais baixo do que o praticado pelo mercado. Assim, em toda e qualquer operação de crédito rural, independentemente da fonte de recursos utilizada pelo mutuante para conceder o crédito, a única taxa de juros válida é aquela que foi autorizada pela referida autoridade.
O primeiro comando legal que dispõe que os juros no crédito rural estão no âmbito da competência do Conselho Monetário Nacional é a Lei 4829/65, notadamente em seu art. 14, onde está claramente estabelecido que todas as condições do contrato, inclusive juros, estão afetadas ao seu prévio comando. Em seguida vem o Dl 167/67, diploma legal que criou a cédula de crédito rural, dizendo em seu art. 5º que as taxas de juros são fixadas pelo Conselho.
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Já no que diz respeito aos juros moratórios, ou seja, aquelas taxas que vão incidir sobre o financiamento caso o mutuário não pague a operação no dia do vencimento, o Conselho Monetário Nacional não tem competência para estabelecer seu índice, posto que que a própria lei cuidou em indicar expressamente seu percentual. Assim, com base no parágrafo único do art. 5º do Dl 167/67, os juros moratórios no crédito rural são fixados à taxa de 1% ao ano e não mais do que isto, mesmo que exista alguma cláusula na cédula dispondo de forma diversa. Portanto, uma cédula que contenha cláusula que estipule, por exemplo, que depois de vencida a operação os juros moratórios serão de 4% ao mês, ou até mesmo que contemple a incidência de comissão de permanência, ou coisa parecida, esta estipulação é ilegal e não pode ser aplicada por evidente desrespeito à lei especial.
A razão para o crédito rural ter os juros remuneratórios controlados pelo Conselho Monetário Nacional e os juros moratórios expressamente fixados em lei é que se trata de um financiamento que tem como objetivo fomentar e apoiar um dos setores econômicos mais importantes para o País, que precisa de injeção de capital de grande monta para fazer frente aos elevados custos de produção.
Agora é hora de ser tratada a fixação do cronograma de pagamento do crédito rural.
VI – Cronograma de pagamento
Até aqui já foi visto que o crédito tem um caráter fomentista, que o cronograma de liberação dos recursos segue regras próprias, e que seus custos financeiros são expressamente fixados pelo Conselho Monetário Nacional, ou pela lei.
Neste capítulo, o foco é tratar do cronograma de pagamento do contrato, o qual tem muita importância para que o crédito rural alcance seu objetivo de apoiar o produtor rural. Afinal, caso o agente financeiro fixe a época de pagamento do contrato em momento incompatível com a atividade financiada, isto poderá contar contrariamente ao fortalecimento econômico do produtor rural.
Com efeito, a atividade agrícola tem uma época certa em que a produção é obtida e, então, passa-se ao momento de sua comercialização. E foi justamente para assegurar ao mutuário rural que o pagamento do financiamento se desse em período compatível com a venda da produção agrícola que a Lei, no caso, a Lei 8.171/91, consignou em seu art. 50, notadamente em seu inciso V, que prazos e épocas do seu reembolso devem ser ajustados no contrato, observando a natureza e especificidades da operação, bem como segundo a capacidade de pagamento e as épocas normais de comercialização dos bens produzidos.
Isto implica dizer que, se o financiador fixou na cédula de crédito rural como data de pagamento do contrato época anterior ao momento em que o mutuário obtém recursos com a venda da produção, esta cláusula não pode ser base para caracterizar o inadimplemento da operação caso o financiado não faça o pagamento do valor ali estipulado.
E até mesmo quando o cronograma de pagamento ou de reembolso do financiamento rural é fixado em data certa, observando a natureza e as especificidades da operação, o financiado não poderá ser considerado em mora, caso não cumpra o contrato por perda da produção, ou mesmo por falta de mercado para o produto.
Ou seja, se a receita inicialmente programada para cumprir o financiamento não foi alcançada por fator alheio a vontade e diligência do produtor rural, por expressa disposição prevista no Manual de Crédito Rural, ao invés de tornar exigível a operação, o financiador, caso seja solicitado pela parte interessada, deve reprogramar o cronograma de pagamento da cédula, fixando-o para momento mais oportuno, levando em conta a nova capacidade de pagamento do mutuário.
Tanto a fixação do cronograma de pagamento segundo as peculiaridades da atividade financiada, quanto a alteração de suas estipulações para momento mais conveniente ao produtor rural, ambas têm como razão maior fomentar o setor produtivo primário, como indica seu próprio nome, e é neste sentido que deve ser aplicado e conduzido.
Para saber mais: A proteção do produtor rural e o bem-estar de todos.
Muitos produtores que desconheciam o direito de prorrogar a dívida em razão da perda da atividade financiada acabaram pagando no tempo indevido, ou fazendo composições que aumentaram seu endividamento de forma comprometedora.
Sobre o alongamento da dívida rural, leia Dívidas rurais – o que é e como exercer o direito ao Alongamento.
VII – Operação Mata-Mata
Até aqui já foi visto que o crédito rural é um crédito de fomento, assim como foi evidenciada a importância do financiador observar o cronograma de liberação dos recursos. Num terceiro momento, o que tomou destaque foi a sujeição dos encargos financeiros do financiamento às regras do Conselho Monetário Nacional, além de ser demonstrado que o credor deve observar o que a lei estabelece neste particular, inclusive alterando o tempo de exigibilidade do contrato quando ocorrer frustração de safra ou de mercado a ponto de prejudicar a capacidade de pagamento do produtor rural para cumprir o contrato na forma originalmente pactuada.
Por fim, como não tem sido incomum a prática da chamada operação mata-mata, ou seja, o produtor tomar o financiamento rural não para aplicar na atividade agrícola, mas sim para pagar dívidas existentes junto ao financiador, neste último ponto, faz-se oportuno analisar o que a lei dispõe a respeito de operações desta natureza.
Primeiramente é preciso reafirmar que o financiamento rural é um crédito de destinação, ou seja, ele se propõe a um determinado fim, e este tem que ser alcançado.
Mas qual o objetivo do crédito rural? A Lei que o instituiu responde à indagação em seu art. 3º, o qual deve ser lido subdividindo as operações nos termos do que dispõe seu art. 9º. E, para que o financiamento seja aplicado dentro de sua finalidade e observadas as operações expressamente indicadas, o inciso III do art. 10 impõe ao financiador o dever de fiscalizar o tomador no sentido de constatar se os recursos estão sendo corretamente aplicados, dentro da destinação prevista na cédula de crédito rural.
Como o crédito rural se propõe a apoiar o pleno desenvolvimento do setor agropecuário, isto através dos créditos de custeio e de investimento agrícola e pecuário, dentre outras modalidades, é preciso que os recursos de custeio agrícola, por exemplo, sejam aplicados dentro desta finalidade, tais quais os de custeio pecuário, etc.
E, para impedir terminantemente que tais recursos sejam aplicados em outra finalidade que não aquela determinada pela lei, o Decreto 58.380/66, diploma legal que regulamenta a Lei 4.829/65, estabeleceu em seu art. 14, especialmente na letra “b” do seu parágrafo único, a proibição dos recursos serem tomados para a finalidade de pagar dívidas contraídas pelo financiado junto ao financiador.
Noutras palavras, o crédito rural deve ser aplicado na atividade e não em outra coisa qualquer, de modo que se mostra manifestamente ilegal a tomada de recursos do crédito rural para pagar outras dívidas do produtor rural.
Portanto, toda operação mata-mata, por contrariar os objetivos fundamentais do crédito rural e por se prestar a realização de um negócio que em nada contribui para o desenvolvimento da atividade produtiva primária, menos ainda para apoiar o processo de produção de alimentos, não pode subsistir.
Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio. Fundador da banca na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 99158-2437 (whatsapp) / pb@pbadv.com.br / www.pbadv.com.br
Tobias Marini de Salles Luz – advogado na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 9 9158-2437 (whatsapp) / tobias@direitorural.com.br / www.pbadv.com.br
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