Para quem acompanha o agro, não é novidade que situações extremamente adversas podem, ocasionalmente, atingir estados e regiões inteiras, prejudicando as lavouras ali plantadas. Tal foi o caso, por exemplo, das lavouras de milho safrinha em 2021 e soja em 2022 no sul do país e algumas partes do centro-oeste e sudeste.
Nestas situações, é comum observar um aumento no número de negativas e reduções de indenização, ou até mesmo o cancelamento das apólices em aberto por parte das seguradoras, e isto com base em motivos para lá de “criativos” e “inovadores”. É cada justificativa que faz arrepiar até o mais pacífico dos produtores!
Acompanhe, abaixo, alguns casos reais de indeferimento do seguro rural observados pelo Direito Rural, especialmente nos seguros de milho 2021 e soja 2022.
Justificativas abusivas para a negativa ou redução da indenizaçã
Falhas de stand
Um desconto bastante utilizado pelas Seguradoras diz respeito às “falhas de stand” as quais ocorrem quando há falta de plantas nas linhas da lavoura. Esta situação pode ser causada por semeadura inadequada (o que seria, de fato, risco excluído), ou por morte de plantas em razão de eventos climáticos.
O fato é que, se a causa da falha de stand não foi a semeadura inadequada por parte do segurado, pelo contrário, se o motivo da morte de plantas e da baixa população de plantas foi o evento climático que levou ao sinistro, esta situação não pode ser utilizada para reduzir a indenização.
É totalmente ilógico descontar as falhas de stand decorrentes de eventos climáticos assegurados da indenização! É como se um seguro de automóvel fosse pagar a indenização de um carro por conta de um acidente automobilístico, mas descontasse do pagamento os amassados na lataria, por não ser este um risco coberto (!). Se a causa do “risco não-coberto” foi justamente um “risco coberto” – evento segurado seca, a indenização é devida.
Tipo de solo inadequado
Outra situação muito comum é o indeferimento da indenização por conta de o segurado ter feito o plantio em “tipo de solo inadequado”. Aqui notamos várias situações.
Uma foi a Seguradora dizer que determinado tipo de solo não era aceito pelo ZARC, enquanto que o ZARC, para aquela cidade, dizia exatamente o contrário.
Outra situação foi a Seguradora não ter perguntado ao produtor qual era o tipo de solo de sua propriedade e depois ter utilizado essa omissão para o indeferimento.
Em outro caso, ainda, um produtor que há anos tem seguro da mesma propriedade, com a mesma Seguradora, já com indenizações concedidas em safras passadas, ter agora a indenização indeferida porque “aquele tipo de solo não é aceito para formalização de contrato”.
Quando o produtor envia uma proposta de seguro, ele passa para a seguradora todos os dados de geolocalização do imóvel, gerando plenas condições da seguradora analisar se aceita ou não o risco. Não pode a seguradora, na regulação, inovar neste ponto.
Contudo, muitas seguradoras, na regulação do sinistro, passaram a fazer análises de solo para verificar a validade da apólice. É uma prática questionável, sobretudo porque temos observado algumas análises sendo feitas de forma tecnicamente equivocada ou com instrumentos de coleta impróprios, o que gera resultados duvidosos.
Se for esse seu caso, nossa recomendação é não proibir a coleta do solo, mas estar atento e documentar todas as técnicas empregadas na coleta para possível questionamento futuro, através de vídeos, fotos, testemunhos, etc.
Sobre esta situação, veja também as dicas que preparamos para o momento da vistoria de seguro rural no seguinte artigo:
Replantio não seguiu a “melhor recomendação técnica”
Em outro caso, por exemplo, foi acionada a cobertura adicional de replantio para lavouras que tiveram danos causados por seca e/ou por tromba d’água ainda nos estádios iniciais. A Seguradora, então, vistoriou as lavouras, constatou a ocorrência do sinistro e determinou o replantio, sob pena de cancelamento da apólice.
Entretanto, dois meses depois, alegou que o replantio não havia sido feito em conformidade com “a melhor recomendação técnica” e que, por isso, estariam cancelando a apólice. Todavia, não apresentou qualquer recomendação técnica, quanto mais a “melhor recomendação”, ao passo que os produtores fizeram exatamente o que qualquer um faria.
Assim, os produtores não tinha saída senão o cancelamento da apólice. Isto pois foram informados de que, se não replantassem, a apólice estaria cancelada, ao passo que, mesmo replantando, tiveram a apólice cancelada. Um absurdo que certamente merece uma atenção jurídica especial.
Obviamente, a Seguradora já sabia que teria que pagar a indenização neste contrato e, por isso, tentou arrumar uma justificativa qualquer para cancelar a apólice.
Condução inadequada
Situação muito parecida com a anterior, foi a de uma seguradora que simplesmente negou a indenização por conta de uma suposta “condução inadequada da lavoura”. A justificativa apresentada é de que a média de produtividade obtida havia sido muito aquém da média histórica do município, o que somente poderia ocorrer em razão de uma condução inadequada da lavoura.
Esqueceu a seguradora, entretanto, que a média de chuvas daquela safra (soja 2021/2022) também havia sido a menor média histórica já vista. E, por óbvio, sem água não há vida.
Redução por custo de produção
Também já observamos reduções e indeferimentos de uma série de indenizações por conta da “verificação de um custo de produção menor que o informado”. Aqui, temos duas situações de grande má-fé da seguradora, que merece bastante atenção.
A primeira é que a apólice havia sido comercializada como de “produtividade”, não de “custo de produção”, o que já é suficiente para afastar o argumento utilizado.
O segundo é que o custo de produção sequer foi motivo de questionamento ou informação pelo segurado: o campo já vinha automaticamente preenchido na proposta do seguro.
A seguradora, neste caso, passou a exigir uma grande quantidade de documentos durante o processo de análise dos sinistros, como uma “planilha de custos da lavoura” e notas fiscais que os comprovem. Tal exigência, contudo, é indevida, uma vez que a sua análise não contribui diretamente para a determinação da causa do sinistro e apuração das perdas.
Por isso, recomendamos não enviar qualquer documento que seja solicitado pela seguradora sem antes consultar seu advogado.
Plantio fora do ZARC
Principalmente nas culturas de milho, para as quais o calendário de plantio costuma ser apertado por conta das chuvas e da colheita da soja, os indeferimentos por conta de plantio fora do ZARC são corriqueiros.
Entendemos esse indeferimento como abusivo porque é ilógico pensar que uma planta, um ser vivo, siga datas de calendário para escolher o melhor dia para brotar. De igual modo, não cabe dizer que a causa determinante para a perda de produção tenha sido o plantio fora do calendário do zARC, o que certamente não foi, pelo menos não na safra de inverno de 2021. A seca e a geada que castigaram as lavouras atingiram tanto as plantas semeadas dentro, quanto as semeadas fora do ZARC. O nexo de causalidade entre o fato gerador (risco coberto) e as perdas é claro, portanto, o prejuízo é indenizável.
E, na realidade, entendemos também que o ZARC é um documento apenas orientativo do MAPA, sendo que o plantio deverá analisar também outros aspectos extrínsecos e intrínsecos.
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Trifólio
Outra negativa de seguro bastante comum, também abordada pelas seguradoras com um outro nome (cláusula de não-germinação), é quando o evento sinistrante ocorre antes do primeiro trifólio da planta, ou antes da planta atingir determinada altura em centímetros.
O problema dessa negativa é que a vigência do contrato normalmente engloba todo período, sem qualquer distinção, aliado ao fato de que, na maior parte das vezes, a negativa é fundamentada em dados equivocados e sem lastro científico.
Outras situações
Além desses casos, também vimos diversas outras justificativas ou situações no mínimo estranhas.
Como de um cliente com 8 lotes, contíguos e equivalentes em tamanho, onde em 4 lotes foi deferida a indenização e, em outros 4, indeferida por situações como “falhas de stand” ou “não seguiu melhor orientação técnica”.
Ou de outro produtor em que o perito demorou para agendar a vistoria, autorizou a colheita por conta das chuvas e proximidade do vazio sanitário e depois, na vistoria, alegou que não seria possível apurar perdas porque o produtor já havia iniciado a colheita.
Superestimar a produtividade obtida (quando há) é algo presente em quase 100% dos casos. Dificultar a obtenção de cópias de documentos, então, nem se fale.
Tendo em vista o alto número de sinistros abertos, as seguradoras tendem a fechar suas torneiras e passar a procurar qualquer tipo de situação para negar ou minorar indenizações, possivelmente contando com a estimativa de que apenas algumas das pessoas prejudicadas viriam a entrar com ações judiciais de revisão. Isto não é novidade neste ramo, quem já leu (ou assistiu) ao clássico “o homem que fazia chover” pode observar este mesmo cenário.
O que posso fazer no caso de indeferimento ou redução da indenização do seguro rural?
A primeira opção é fazer um recurso administrativo. Caso opte em fazê-lo, não escreva esse recurso, nem deixe seu agrônomo fazer. Mesmo que seja um simples recurso administrativo, é recomendado contratar um advogado, porque este é um documento que poderá ajudar ou dificultar a sua situação em uma eventual ação judicial.
Lembre-se: o profissional habilitado a argumentar e recorrer é o advogado.
A segunda opção é ingressar com uma ação judicial, seja no caso de indeferimento do recurso administrativo, seja no caso de este sequer ter sido feito. A boa notícia aqui é que, em grande parte dessas negativas, é possível questionar judicialmente a decisão da seguradora. E os precedentes (decisões anteriores) dos Tribunais são bons, há excelentes decisões favoráveis aos produtores em casos envolvendo seguro rural.
MAS FIQUE ATENTO!! O prazo para propor uma ação de revisão de seguro rural é de 1 (um) ano a contar do PRIMEIRO indeferimento, isto é, da primeira comunicação enviada pela seguradora.
Se for o seu caso, não deixe de procurar seu advogado de confiança, preferencialmente especializado no agronegócio, e apresentar para ele o seu caso e os documentos pertinentes.
Tobias Marini de Salles Luz – advogado na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 9 9158-2437 (whatsapp) / tobias@direitorural.com.br / www.pbadv.com.br
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