O endividamento dentro das cooperativas é crescente. O produtor rural deve saber como agir, o que e como pode ser cobrado, dentre outras questões.
O princípio geral que rege a formação e o funcionamento de uma cooperativa é a colaboração mútua, a reciprocidade entre seus cooperados, que se obrigam a promover o estímulo e o desenvolvimento econômico e social de proveito comum, sem objetivo de lucro.
É o que está na lei do cooperativismo de 1971, muito embora, hoje, as cooperativas agrícolas tenham aparentemente se desvinculado desse ideal original para se transformar em verdadeiras empresas e máquinas de geração de lucro. Basta acompanhar as notícias, como exemplo, a de uma cooperativa do Paraná que teve em 2023 o melhor resultado de sua história, e isto em meio à um ciclo de queda de preços das commodities e significativas perdas de seus cooperados no ano de 2022.
Não que gerar lucro seja errado, de forma alguma. Contudo, quando o lucro é gerado por uma cooperativa através de um verdadeiro “esfolamento” de seus produtores cooperados, isto sim é matéria que causa estranheza e que deve ser analisada com cautela.
É fato que muitos produtores ainda estão “carregando” um enorme endividamento das safras 2021 e 2022, que foram fortemente atingidas por seca e altas temperaturas, levando a severas perdas de produtividade. Naquele tempo, as cooperativas andaram bem ao não cobrar judicialmente seus créditos, pois, se fizessem isso, talvez sobrariam poucos cooperados em seus quadros. Porém, a rolagem das dívidas foi muito além do que se poderia esperar de um sistema cooperativista, aplicando juros, nos alongamentos, de cerca de 1,8% ao mês. E isto na melhor das hipóteses, visto haver casos, dos quais temos conhecimento, de juros de até 3% ao mês.
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No que concerne a este artigo, analisaremos alguns aspectos desse endividamento dentro das cooperativas agrícolas, que, talvez, seja muito maior do que economistas ou analistas de mercado possam estimar.
Tenho dívidas com cooperativa. Como devo agir?
O endividamento junto a cooperativas é grande e tem tirado o sono de muitos produtores. Se é o seu caso, saiba que você não é o único, não foi o primeiro, nem será o último nessa situação.
Não é muito relembrar que, no mundo dos negócios, as transações são concretizadas por interesse comercial, não por amizade, tempo como cooperado ou misericórdia de sua família. Assim também é com as grandes cooperativas. O que as leva a firmar contratos, vender parcelado ou renegociar dívidas com seus cooperados não é a vontade do “proveito comum”, como dispõe a lei, mas sim o interesse em ganhar mais.
Aquele que não compreende essa lógica poderá pagar caro no futuro, quando, por exemplo, a dívida chegar em valores tão grandes que consumirá todo seu patrimônio. E é justamente nessa hora que um diretor da cooperativa vai propor comprar seu imóvel para acertar a dívida ou receber sua fazenda em dação de pagamento, situação tão extrema que o Dr. Lutero Pereira sempre compara com uma “doação de órgãos em vida”.
Ademais, não tenha dúvidas: o cadastro principal de uma cooperativa, assim como de um banco, tem anotado o seu PATRIMÔNIO. Não há ali histórico de amizades, de eventos sociais, de bom pagador etc.
Por isso, entenda que a relação comercial com “sua” cooperativa deve ser estritamente empresarial e nada mais do que isso.
O que a cooperativa pode reter?
Alguns produtores já nos trouxeram questionamentos no seguinte sentido: tenho grãos depositados em nome meu, da minha esposa, de meu filho, de meu pai. E as dívidas na cooperativa estão só em meu nome e da minha esposa. Quero fechar a soja em nome do meu filho e de meu pai, mas o gerente da cooperativa se nega, dizendo que somos “grupo familiar”. Pode isso?
Na lei escrita, não existe a expressão “grupo familiar”. Isso é uma construção empresarial, oriunda do sistema financeiro, visando a concessão de maior crédito, pois junta o patrimônio de todo o grupo em um só cadastro e depois concede crédito nos vários nomes que o compõe.
O que você deve saber é que a dívida não pode passar da pessoa do devedor e de seus possíveis fiadores e avalistas, ou dos bens dados em garantia. Isto é, não pode a dívida de um pai ser cobrada de seu filho se esse filho não assina junto.
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Muitas cooperativas utilizam esse método de travamento de produtos do grupo familiar como uma forma de pressão para o pagamento, porém isso é ilegal e, em alguns casos, pode gerar até responsabilidade criminal do gerente que se nega a fazer.
Quais encargos a cooperativa pode cobrar?
Não é nenhuma novidade que, em tempos de perdas, as cooperativas agrícolas aproveitam da situação de desespero dos seus cooperados e renegociam as dívidas com taxas de juros exorbitantes, em alguns casos chegando a 3% ao mês, como já mencionado acima.
Para conseguir isso, ela se utiliza de argumentos como “o Estatuto social permite” essa cobrança, ao mesmo tempo em que promete aos produtores segurança, com a cantilena de que a cooperativa também é dele e jamais o desamparará. Isto é, até o momento em que o valor da dívida se torna insustentável em relação ao seu patrimônio.
A boa notícia para os produtores é que o judiciário tem vários precedentes entendendo que cooperativa agrícola não é instituição financeira e, por isso, a cobrança de juros está limitada pela regra geral da lei de usura (12% ao ano ou 1% ao mês). Assim, entendemos que a cobrança de juros acima de 1% ao mês é totalmente indevida.
Se for o seu caso, saiba que o judiciário pode lhe dar guarida na revisão de sua dívida.
Quando vale a pena brigar com a cooperativa?
Talvez o maior drama do produtor endividado com uma cooperativa agrícola é saber o momento certo para demandá-la judicialmente e se isso compensa financeira e administrativamente.
O produtor nunca pode perder de vista que uma demanda judicial é uma “guerra”. Se você ajuizar uma ação contra a cooperativa, sofrerá retaliações, das quais duas são praticamente automáticas: você será cobrado judicialmente de seu débito e será excluído do rol de cooperados.
Por isso, a primeira pergunta que fazemos aos nossos clientes é a seguinte: qual seu grau de dependência junto à cooperativa? Se a resposta for no sentido de que você não consegue plantar ou se movimentar financeiramente sem o suporte da cooperativa, saiba que a demanda judicial poderá lhe trazer sérios problemas e você deverá considerar muito antes de qualquer movimento.
Porém, se a resposta for no sentido de que aquela determinada cooperativa é apenas mais um de seus fornecedores, isto é, de que a falta dela não impedirá o seu negócio, uma demanda judicial pode ser considerada.
Pense
Um produtor rural deprimido é uma empresa sob risco. E quem está diretamente dentro do problema, muitas vezes não consegue achar a solução. (Lutero Pereira, Guia Jurídico do Agronegócio. Ed. Juruá)
Empreender bem e administrar bem exige foco na solução, não no problema. Quem está de fora do problema, como uma esposa, um filho, um familiar próximo ou até mesmo seu advogado, muitas vezes poderá lhe ajudar a encontrar a melhor solução e o melhor caminho para ser observado.
Tobias Marini de Salles Luz – advogado na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 9 9158-2437 (whatsapp) / tobias@direitorural.com.br / www.pbadv.com.br
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