O plano safra 2023/2024, o primeiro do governo Lula 3, foi anunciado nesta semana com grande pompa. Com a pretensão de aparar rusgas com o agronegócio, foi anunciado com um incremento de 27% de recursos, o que é bom, pois indica que o setor terá dinheiro para continuar investindo na produção e em tecnologias. Resta saber, agora, se o crédito vai realmente chegar na ponta, isto é, para os produtores rurais que REALMENTE precisam, uma vez que o setor está endividado e carente de recursos.
Afora as propagandas do “agro é pop”, das promessas e expectativas de uma safra verde de carbono (ainda não palpáveis) e de várias outras bravatas governamentais ou de marketing, o fato é que o pequeno e o médio produtor estão endividados e sem acesso ao crédito. E isto é realmente um problema.
No estado do Paraná, por exemplo, os produtores têm sofrido com problemas há pelo menos 3 safras. Na safra 20/21, os preços da soja explodiram a níveis recordes, mas poucos conseguiram surfar a onda, seja por conta dos contratos de venda antecipada, seja em razão da frustração de safra, que diminuiu a produtividade. Muitos tiveram que renegociar, com revendas e cooperativas, caríssimos e abusivos contratos de washout diante da impossibilidade de entrega total dos produtos pré-fixados. Todo o lucro obtido foi consumido com os encargos da renegociação.
A safra seguinte, 21/22, foi um verdadeiro caos. Números do Deral/PR (clique para ler) apontaram uma queda de 42% na produtividade, o que também foi observado em outros estados como RS, SC, MS e SP. Grande parte dos agricultores possuíam seguro da safra, mas nem todos conseguiram receber. O calote das seguradoras, através de negativas abusivas e indevidas, ou mesmo a interpretação equivocada de várias cláusulas de redução, deixaram muitos produtores na mão, com um endividamento gigante, principalmente perante revendas e cooperativas. E as taxas de juros praticadas pelas cooperativas e revendas para rolar a dívida ficaram em abusivos 2% e 3% ao mês.
A última safra, 22/23, iniciou-se com uma ótima projeção. As colheitas seguiam firmes e a expectativa no mês de janeiro era de recuperação econômica, com uma ótima safra e venda da produção em preços que cobririam os custos, a manutenção mensal e pagaria o endividamento anterior. Porém ,no momento da comercialização e recebimento, a saca de soja, que estava em R$ 180, caiu para R$ 120. O custo foi pago, mas a dívida não.
Afora isso, várias outras situações pontuais. Perdas severas nas safrinhas, que não ajudaram na composição de caixa. Pressão por compra antecipada de insumos “por conta da guerra da Ucrânia” a preços altíssimos, quando agora se compra os mesmos insumos pela metade ou até 1/10 do preço. Aumento geral dos custos e instabilidade política. Dentre outros.
O fato é que o setor está endividado e o plano safra, para funcionar como uma verdadeira política de estado, tem que chegar ao produtor. Não basta anúncios pomposos ou promessas de reconciliação, se o crédito não chegar nas mãos daquele que possuí dívidas com cooperativas, revendas ou bancos, o setor enfrentará problemas com redução da área de plantio.
Sobre o Plano Safra 2023/2024
Incentivo ao produtor preservacionista
Em relação ao plano safra em si, observamos que o resultado foi positivo. Houve aumento de valores, juros em patamares sustentáveis e incentivos para práticas preservacionistas com uma redução de 0,5% no percentual dos juros, mesmo sem haver muitos detalhes sobre como será essa redução.
Prevê o plano que o produtor que detiver reserva legal regularizada (aprovada pelo CAR) e realizar boas práticas ambientais em sua propriedade será beneficiado, o que é bom. Tomara que isso realmente premie a conservação ambiental, sem qualquer tipo de demagogia ou ideologias.
Todavia, precisamente neste aspecto, nota-se que o Plano anunciado expõe a ineficiência estatal. Prevê a possibilidade de redução de 0,5% na taxa de juros para os produtores que já tenham o CAR analisado, porém o CAR já foi feito há anos, recaindo a culpa sobre o próprio Estado, que não consegue fazer a análise e cujo processo tem assumido uma lentidão sem precedentes. A FAEP trouxe a informação (clique para ler) de que só no Paraná, por exemplo, mais de 501 mil propriedades foram cadastradas no CAR, mas apenas 387 delas tiveram a análise concluída, o que representa apenas 0,077% do total. Este é um ponto que o governo precisa dar uma solução, não adianta fazer demagogias.
Encargos financeiros
Em relação às taxas de juros, o plano safra apresenta linhas de crédito com juros de 8 a 12,5% ao ano. Mantém, contudo, em sua previsão, os chamados recursos livres, com taxas à mercado. Não obstante esta possibilidade esteja prevista no plano safra, a prática de juros acima de 12% ao ano, ainda que o crédito tenha origem em recursos livres, é ilegal. Veja nosso artigo sobre o tema:
Juros limitados no crédito rural – recursos livres ou não controlados
A grande questão será a exigência de garantias pelas instituições financeiras para liberar os recursos. Isso poderá ser um grande entrave para o acesso ao crédito rural, já que, em razão do endividamento anterior, grande parte do patrimônio dos produtores já está comprometido.
Como bem pontuado pela FAEP/PR (clique para ler), faltou no Plano Safra a previsão da verba destinada ao Programa de Subvenção ao Seguro Rural (PSR). Como já defendemos, a subvenção ao prêmio do seguro é um dos principais instrumentos de política agrícola e imprescindível para a democratização do acesso às apólices de seguro rural (entenda mais no livro Agronegócio – questões jurídicas relevantes).
CONCLUSÃO
No geral, é um plano que veio em boa hora. Recomendamos aos produtores que tentem obter o máximo de recursos possíveis dessa linha subsidiada, ainda que isso implique em gastos com burocracia e projetos técnicos.
Tobias Marini de Salles Luz – advogado na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 9 9158-2437 (whatsapp) / tobias@direitorural.com.br / www.pbadv.com.br
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