A Medida Provisória nº 1.314/2025 nasceu com o propósito de aliviar o endividamento dos produtores rurais afetados por eventos climáticos.
No entanto, a Resolução CMN nº 5.247/2025, que veio para regulamentar a MP, acabou criando tantas condições e restrições, que até parece ter sido direcionada apenas a um grupo específico de produtores ou localidades, deixando, de fato, boa parte do setor produtivo nacional de fora.
Na prática, a norma criou critérios objetivos que não estavam previstos na Medida Provisória. O resultado é um conjunto de exigências tão específicas que o produtor, ao ler, muitas vezes não entende ou mesmo se vê impedido de acessar o programa – justamente quando mais precisa.
Selecionamos aqui três pontos da Resolução que merecem atenção e crítica.
Exigência de decreto municipal de emergência ou calamidade
O art. 1º, §2º, I da Resolução condiciona o acesso ao programa à comprovação de que o município do produtor tenha decretado situação de emergência ou calamidade pública.
Esse critério, que não estava previsto na MP 1.314/2025, foi criado pela Resolução do CMN. Trata-se, portanto, de uma restrição adicional, que acaba limitando o direito de produtores que, de fato, sofreram perdas e poderiam se beneficiar da medida.
Entretanto, há um entendimento majoritário nos Tribunais de que uma norma regulamentadora não pode ir além da lei que estabeleceu o direito. Como a MP 1.314/2025 não estabeleceu esse critério de territorialidade, o CMN foi além do permitido em sua regulamentação, o que abre espaço para discussão judicial desse critério.
Além disso, em muitos casos, o Estado decreta situação de emergência de forma ampla, abrangendo todos os municípios do território. Nesses casos, deve ser entendido que o produtor do município pertencente a este Estado também estará abarcado, mas a Resolução não prevê essa hipótese. Resultado: insegurança e risco de exclusão de produtores que deveriam ser beneficiados, outro ponto que poderá gerar inúmeros questionamentos judiciais.
Dependência de dados do IBGE
Outro ponto polêmico está no art. 1º, §2º, I, b da Resolução, que exige que as perdas sejam confirmadas por meio de dados estatísticos do IBGE.
Mais uma vez, a Medida Provisória não previu esse requisito, foi uma inovação da Resolução. Assim como no caso anterior, há uma possível discussão jurídica quanto à legalidade dessa exigência.
Além disso, cumpre ressaltar que os números do IBGE são médias estatísticas regionais. Não refletem a realidade de cada produtor, de cada lavoura.
Inclusive, em alguns casos anteriores, especialmente ações de cobrança de seguro rural, já observamos erros nessas métricas, em que, em algumas localidades do estado do Paraná, por exemplo, os dados de safra de 2022, fortemente atingida por estiagem, eram exatamente os mesmos da safra 2021, que havia sido um ano bom. Esse erro na base de dados do IBGE já causou muita confusão em demandas judiciais. Em outras situações, principalmente das cidades das novas fronteiras agrícolas, esses números simplesmente não existem, como o caso de Jacunda/PA, onde tem dados da colheita de soja apenas do ano de 2024 em diante.
Manter essa exigência significa que, mesmo que o produtor tenha sofrido perda efetiva e comprovada, pode ser impedido pela instituição financeira de acessar a linha de crédito simplesmente porque os números médios da região não atingiram o percentual exigido. É um critério injusto, que desconsidera a situação individual de cada agricultor e que não se coaduna com o propósito da MP.
Juros livres entre banco e produtor
O terceiro ponto é o art. 2º, §1º, V, que, ao tratar das renegociações fora dos recursos que o Governo disponibilizou (R$ 12 bilhões), permite que os juros remuneratórios sejam livremente negociados entre bancos e produtores, por se tratar de recursos livres.
O problema é que a Lei nº 4.829/1965 determina que o Conselho Monetário Nacional fixe as taxas de juros do crédito rural. O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu este dever em diversas decisões e já mencionamos isso em artigos publicados neste blog.
Ao não fixar o limite dos juros, a Resolução coloca o produtor nas mãos das instituições financeiras.
E todos sabemos: em condições de desequilíbrio contratual, os bancos tendem a impor taxas muito acima da realidade da agricultura. Atualmente, temos recebido relatos de clientes que receberam proposta de taxas de juros abusivas e indevidas de 18, 20, 26% ao ano.
Isso apenas agrava o endividamento e aumenta a judicialização no agronegócio (depois não venha reclamar de recuperação judicial).
Considerações finais
A Resolução CMN nº 5.247/2025, ao criar critérios que não estavam na MP 1.314/2025, restringiu indevidamente o alcance do programa. A ideia inicial era dar fôlego ao produtor rural, mas, na prática, muitos ficarão de fora justamente pelos requisitos adicionais.
Destacamos aqui três pontos centrais – mas não são os únicos – para que o produtor compreenda exatamente os impactos dessa norma no seu dia a dia.
No Direito Rural, seguimos atentos às mudanças legais e prontos para orientar produtores a utilizarem, da melhor forma possível, os instrumentos disponíveis para preservar sua atividade.
Tobias Marini de Salles Luz – advogado, sócio-fundador da banca LCB Advogados. Contato:
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