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Recuperação Judicial no agronegócio

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A palavra que define a safra brasileira de grãos 2023/2024 é “endividamento”. Como consequência desse endividamento, a primeira expressão que vem à mente de diversos produtores é “RECUPERAÇÃO JUDICIAL”. Será este o único, ou talvez o melhor caminho para a solução do endividamento agrícola? A proposta desse artigo é lançar luz sobre o tema, para que o produtor possa conhecer o instituto e decidir se é a opção que melhor lhe convém.

O que é Recuperação Judicial?

Recuperação judicial, em linhas gerais, é a possibilidade de se utilizar das mãos do judiciário para declarar moratória das dívidas e estabelecer, com a chancela do judiciário, um novo cronograma de pagamento com seus credores, por meio de um PLANO DE RECUPERAÇÃO.

Neste procedimento, o devedor informará ao juiz todos os credores que possui e mostrará que não tem condições de liquidar todas as obrigações em seu vencimento, ao mesmo tempo em que demonstrará a viabilidade da empresa e a possibilidade de pagamento da dívida em tantos anos e de tal forma que possa continuar operando na atividade.

Apresentado esse plano, é formada a ASSEMBLEIA DE CREDORES, que aceitará ou recusará o plano de recuperação.

Ao deferir o processamento da recuperação, é nomeado pelo juiz um ADMINISTRADOR JUDICIAL, com remuneração paga pelo recuperando, para acompanhar o cumprimento do plano e a administração da empresa.  

Se o PLANO for rejeitado, ou descumprido após aprovado, é decretada a falência do empreendimento, com a expropriação de todos os bens para o pagamento das dívidas.

Quais são as categorias de credores?

Os credores da assembléia de credores são divididos em categorias: aqueles que possuem garantia real (hipoteca, por exemplo), os que possuem garantia pignoratícia (penhor), os que não possuem garantias, os trabalhistas e os créditos de microempresa ou empresa de pequeno porte.

Para o PLANO ser aprovado, o recuperando precisa de aprovação da maioria em todas as categorias de crédito, isto é, a maioria de cada grupo deve aprovar a proposta apresentada.  

Aqui já vai o primeiro alerta: se sua dívida global está nas mãos de alguns poucos credores, ou se, em alguma dessas categorias, há poucos credores, o procedimento de recuperação judicial é bastante arriscado para seu negócio. Afinal, obter o voto favorável da maioria dentre 4 credores é um tanto quanto difícil, pois exige 3 votos. 

Quais créditos não podem ser incluídos na RJ?

Alguns créditos não podem ser incluídos na RJ, os quais, no direito, são denominados “créditos extraconcursais”. Em relação ao agronegócio, é importante observar estes créditos.

Ato Cooperativo

Os contratos e obrigações decorrentes de atos cooperativos, isto é, obrigações assumidas entre as cooperativas e seus cooperados não se sujeitam à recuperação judicial.

Como grande parte do endividamento rural, hoje, está nas mãos de Cooperativas Agrícolas, como os contratos de abertura de crédito rotativo, as renegociações de dívidas e os washouts de contratos de compra e venda, este é um grande problema para quem busca RJ. Isto pois o judiciário poderá excluir todos esses contratos da recuperação judicial, se os entender como ato cooperativo.

Cédula de Produto Rural (CPR).

Diz o art. 11 da lei da CPR quenão se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial os créditos e as garantias cedulares vinculados à CPR com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou, ainda, representativa de operação de troca por insumos (barter), subsistindo ao credor o direito à restituição de tais bens que se encontrarem em poder do emitente da cédula ou de qualquer terceiro, salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto.” 

Deste artigo decorre que as CPRs com entrega física e originárias de barter não podem ser incluídas na recuperação judicial. A única modalidade de CPR que poderia ser incluída, portanto, é a CPR com liquidação financeira, originária de um mútuo. Todavia, ainda assim é necessário observar o próximo impedimento.

Alienação Fiduciária

Se o credor possuir garantia fiduciária de bem móvel ou imóvel, salvo raras exceções, o crédito também não estará sujeito ao regime da recuperação judicial.

Aqui o impedimento diz respeito à garantia do crédito, não propriamente à sua natureza, portanto, ainda que o contrato possa ser submetido à recuperação judicial, se estiver garantido por alienação fiduciária, ele será considerado extraconcursal.

O alerta aqui é que essas modalidades de crédito e de garantia fazem parte do universo do agronegócio, o que, muitas vezes, impedirá, na prática, uma recuperação judicial eficiente.

Para quem é indicada a Recuperação Judicial?

Entendemos que a recuperação judicial, assim como qualquer outro instrumento jurídico, não é adequada ou indicada para todas as situações de endividamento de forma indiscriminada, como tem sido alardeado por alguns. Como tudo no direito, não existe uma fórmula pronta que possa ser aplicada para todo e qualquer caso. Afinal, cada caso possui suas particularidades.

Isto posto, a recuperação judicial nos parece um instrumento interessante para grandes grupos empresariais, que possuem dívidas pulverizadas em vários grupos e com vários credores.

Não é um procedimento barato, pois envolverá custos com assembleias, com remuneração do administrador judicial. Tampouco é um procedimento simples, pois se lidará com vários credores em um só processo e com uma infinidade de recursos que é própria de um pedido neste sentido.  

Tanto que, apesar da “alta de 535% de pedidos de recuperação judicial no ano passado”, esse número não representa muitos casos: de 20 pedidos no ano de 2022, o número subiu para 127 em 2023, e isto em todo território nacional.

Quais alternativas o produtor tem para a Recuperação Judicial?

O financiamento rural é um crédito especial, oriundo de uma atividade protegida pelo estado, como bem defende Lutero Pereira neste artigo (clique aqu para saber maisi). Diante disso, os créditos oriundos da atividade agrícola devem ser pensados e trabalhados à luz da legislação especial.

A depender do caso, há situações que permitem o alongamento da dívida originária de crédito rural (clique aqui). Já o endividamento junto à cooperativas pode ser trabalhado à luz dos legislação cooperativista e civil (clique aqui). As Cédulas de Produto Rural, por outro lado, possuem diversos requisitos que precisam ser cumpridos para ter exigibilidade (clique aqui).

O fato é que não existe uma fórmula pronta para uma situação de estresse financeiro. O produtor deverá fazer o saneamento da sua dívida, isto é, a análise econômica e jurídica de sua situação para, a partir dela, junto de seu advogado, encontrar meios para renegociar suas dívidas ou proteger seu patrimônio diante de situações adversas, como a que se tem observado.

Sobre o tema, veja também: RJ é a salvação do Agro?

Tobias Marini de Salles Luz – advogado na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 9 9158-2437 (whatsapp)tobias@direitorural.com.brwww.pbadv.com.br

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