O agronegócio está diante de uma nova CPR, mais abrangente e com diversas novidades, residindo aí o risco para o produtor rural e para o credor.
A Cédula de Produto Rural, mais conhecida como CPR, institucionalizada pela Lei 8.929/94, faz parte do agronegócio há mais de duas décadas. Tão logo apresentada ao mercado, ganhou a simpatia do setor, que passou a empregá-la em diversos negócios tratados com os produtores rurais.
Com o emprego, em muitos casos, pouco acertado do título, em lugar do autofinanciamento do produtor rural, o que surgiu foi o seu autoendividamento, levando a inúmeras demandas para revisão dessas obrigações.
Mesmo assim, é possível afirmar que a CPR é um título bastante útil para o agronegócio.
Veja também: Diferenças entre CPR e CCR – Conceitos e Diferenças
Mudanças na CPR
Com a chamada Lei do Agro – Lei n. 13.986/2020 – a CPR passou por uma transformação significativa em sua estrutura jurídica, de modo que pode-se afirmar que existe, agora, uma Nova CPR.
A Nova CPR tem um campo de abrangência imensamente maior do que a CPR antiga, notadamente se considerarmos os produtos que podem ser negociados por seu intermédio, as pessoas legitimadas para sua emissão, as garantias que podem ser empregadas, etc.
A emissão eletrônica, ou emissão escritural da Nova CPR é outra novidade que a Lei do agro trouxe para o título. Em termos de garantia, vale destacar, ainda, que a Nova CPR tem espaço até mesmo para o patrimônio rural em afetação, coisa que interessa de perto ao credor.
Sugestão de leitura: Patrimônio rural em afetação facilitado
Também não pode ser desprezado o fato de que a Nova CPR Financeira, que agora se denomina CPR com Liquidação Financeira, recebeu um incremento que a torna bem mais onerosa para o emitente, o que requer cuidado na sua subscrição.
O agronegócio está, de fato, diante de um novo título, não obstante com nome jurídico de título antigo, residindo aí o perigo para o produtor rural que, ao emitir a Nova CPR, poderá supor tratar-se da CPR antiga, não obstante o comprometimento do seu patrimônio possa ser muito mais significativo do que outrora.
E, se a mudança do título foi tão expressiva, até mesmo os novos credores devem tomar cuidado com o emprego da Cédula, pois na confecção da Nova CPR não deverão empregar o entendimento que já não tem mais espaço na nova ordem.
Enfim, buscar a melhor orientação é o único caminho para se negociar com maior segurança jurídica. Neste artigo, iremos demonstrar algumas mudanças significativas pelas quais o título passou.
Garantias permitidas na Nova CPR
A CPR, desde o advento da Lei n 8.929/94, já se apresentava como um título muito bom para o credor, pois as garantias que podiam ser contratadas para a solidez do cumprimento da obrigação pelo devedor eram bastante expressivas. Em termos de garantia real, já era permitido o penhor, a hipoteca e a alienação fiduciária e, em termos de garantia fidejussória ou pessoal, o aval.
Com a nova redação dada ao art. 5º da Lei 8.929/94, feita através da Lei do Agro – Lei n 13.986/2020, a CPR passou a admitir a constituição de quaisquer dos tipos de garantias previstos na legislação, como a alienação fiduciária de bens móveis, a alienação fiduciária de bens imóveis e, ainda, o patrimônio rural em afetação.
Vale ressaltar que a garantia da alienação fiduciária de bem imóvel, embora utilizada na prática, não possuía segurança jurídica para o Credor, visto que a lei não era clara em sua permissão.
Para saber mais sobre o uso da alienação fiduciária, acesse:
Alienação fiduciária de coisa imóvel em CPR
Alienação fiduciária em CPR e CCB
Sobre o tema, também indicamos a obra Agronegócio – Questões Jurídicas Relevantes
Com o advento da nova Lei do Agro, por outro lado, essa forma de garantia passou a ser expressamente permitida para novas emissões.
Dentre todas as garantias reais acima indicadas, o patrimônio rural em afetação é, sem dúvida alguma, a mais privilegiada, visto que o procedimento aberto ao credor para receber seu crédito no caso de impontualidade no pagamento pelo devedor é extremamente rápido, pois sequer precisa da força do Poder Judiciário para o exercício deste direito.
Em linhas gerais, o patrimônio rural em afetação permitirá que o produtor rural constitua uma garantia em sua propriedade, ou em parte dela, para oferecer ao credor do título. Vencida a CPR e não liquidada, o credor poderá exercer, de imediato, o direito à transferência, para sua titularidade, do registro da propriedade da área rural que constitui o patrimônio rural em afetação vinculado no título, diretamente no cartório de registro de imóveis correspondente.
Respondemos as principais dúvidas sobre o Patrimônio Rural em Afetação, acesse: Patrimônio Rural em Afetação Facilitado.
Esta ampliação das garantias na CPR vai tornar o título ainda mais presente nas negociações do agronegócio, tendo em vista o grande interesse que o credor terá em valer-se deste título para negociar com o produtor rural, suas associações, cooperativas e todos os demais possíveis emitentes, os quais são em maior número do que aqueles permitidos originalmente, conforme já observamos em outro artigo.
Todavia, convém ao credor dar-se à leitura não só da Lei da CPR – Lei n 8.929/94, mas também da Lei do Agro – Lei n 13.986/2020 – nesta última na parte que envolve os artigos 7º a 16, já que é nestes dispositivos que a disciplina do patrimônio rural em afetação está posta e, diga-se de passagem, não é coisa tão simples.
Saiba mais: Patrimônio rural em afetação sob a ótica do registrador de imóveis
Aliás, se a CPR vai ter como garantia o tal patrimônio rural em afetação, é importante que o credor fique atento às exigências legais feitas a respeito das cláusulas especiais que deverão constar da Cédula, bem como do seu registro posterior, para não correr o risco de ter seu direito prejudicado na confecção defeituosa do título.
Permissão de emissão da Nova CPR para mais produtos
A CPR, conforme permitia o Art. 1º da Lei n 8.929/94, foi empregada por muito tempo nas negociações que envolviam apenas a venda de produto rural, em que, por força de cláusula nela contida, era prometida a entrega ao credor.
A ideia primeira da Lei foi apresentar ao produtor rural um instrumento que lhe permitisse o autofinanciamento através da alienação da produção, o que, em certo sentido, foi útil para o setor produtivo primário.
Todavia, com a nova Lei do Agro, a Cédula de Produto Rural agora permite a alienação de bem mais produtos do que aqueles inicialmente autorizados, uma vez que o rol dos bens negociáveis foi significativamente ampliado, permitindo que viesse a ser alienado via CPR não só produto rural obtido nas atividades agrícola ou pecuária, mas também:
- Produtos obtidos em floresta plantada e de pesca e aquicultura;
- Derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico, mesmo quando submetidos a beneficiamento ou a primeira industrialização;
- Produtos obtidos nas atividades relacionadas à conservação de florestas nativas e dos respectivos biomas e ao manejo de florestas nativas no âmbito do programa de concessão de florestas públicas, ou obtidos em outras atividades florestais que vierem a ser definidas pelo Poder Executivo como ambientalmente sustentáveis.
O que se observa é que os bens a serem alienados via CPR não são indicados mais por sua natureza, mas sim pela atividade de onde se originam
Com a ampliação do rol dos bens negociáveis via CPR, é possível que o título ganhe ainda mais espaço no ambiente do agronegócio, por tudo aquilo que representa em termos de dinamismo nas negociações.
Se, por um lado, é bom para o setor agrícola que a CPR possa ser utilizada de forma assim tão elástica em termos de produtos comercializáveis, por outro, é prudente que os interessados no seu uso procurem se informar melhor sobre as demais alterações havidas na Lei n 8.929/94, já que, como dissemos noutro momento, estamos diante de uma Nova CPR, cujas questões jurídicas são agora bem mais complexas do que aquelas existentes ao tempo da “antiga” CPR.
Emissão da Nova CPR
Quando a CPR foi criada, no ano de 1994, somente o produtor rural, suas associações e cooperativas podiam emitir o título. Com a indicação expressa destas três categorias de emitentes, a Lei restringia o emprego do título a um número limitado de interessados.
Não obstante isto, o mercado foi, aos poucos, sendo “invadido” pela Cédula, seja para venda de produto rural (CPR), seja para tomado de empréstimo com valor indexado a preço ou a índice de preço de produto rural (CPR-F).
A chamada Lei do Agro – Lei n. 13.986/2020 – também alterou significativamente este ponto, ampliando assim o número dos seus possíveis beneficiários-emitentes.
A teor do contido no Art. 2º do referido diploma legal, podem utilizar-se da CPR o produtor rural, pessoa natural ou jurídica, inclusive aquela com objeto social que compreenda em caráter não exclusivo a produção rural, a cooperativa agropecuária e a associação de produtores rurais que tenha por objeto a produção, a comercialização e a industrialização dos produtos rurais.
Além destes, a Lei ainda facultou a emissão da CPR por pessoas naturais ou jurídicas, independentemente de serem produtores rurais, cooperativa agropecuária, ou associação de produtores rurais, desde que voltadas à exploração de floresta nativa ou plantada ou que beneficiem ou promovam a primeira industrialização de produtos rurais
Variação Cambial
Desde a publicação da MP do Agro, antes mesmo de sua conversão em lei, a CPR-f passou a permitir a sua emissão com cláusula de correção pela variação cambial. Primeiramente, todavia, é importante entender a natureza deste título.
A Cédula de Produto Rural – CPR, instituída pela Lei 8.929/94, com as modificações introduzidas pela Lei 10.200/2001, pode se apresentar sob duas formas distintas de cumprimento. A primeira é quando o emitente se obriga a entregar ao credor certa quantidade e qualidade de produto rural, e a segunda, quando se obriga a pagar determinada quantia em dinheiro. Respectivamente, os títulos são denominados CPR e CPR-Financeira.
No caso da CPR-Financeira, as condições a serem utilizadas para se obter o valor a ser pago pelo devedor ao credor devem estar discriminadas no contexto do título. Com o advento da MP 897/2019 (MP do Agro), a Lei 8929/94 foi modificada e a CPR-Financeira pôde ser emitida com cláusula de correção pela variação cambial para apuração de seu saldo devedor.
Por outro lado, para sua emissão no caso do produto, é preciso que ele seja referenciado ou negociado em bolsas de mercadorias e futuros, nacionais ou internacionais, cotado ou referenciado na mesma moeda prevista na cláusula de correção.
Já no que diz respeito ao credor, é necessário que seja investidor “não residente”, companhia securitizadora de direitos creditórios do agronegócio, com o fim exclusivo de ser vinculada a Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA com cláusula de variação cambial equivalente, ou ainda, pessoa jurídica apta a emitir Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, com o fim exclusivo de ser vinculada a CDCA com cláusula de variação cambial equivalente.
Para saber mais sobre contratos em dólar, leia: Contratos rurais em dólar e variação cambial
É preciso registrar, outrossim, que a nova lei do Agro autoriza o Conselho Monetário Nacional a estabelecer outras condições para a emissão de CPR-f com cláusula de correção pela variação cambial, inclusive emissão em favor de investidor residente e a restrição de produto.
No entanto, é bom que se observe que, quando houver emissão da CPR-f com cláusula de variação cambial, isto não significa que o título possa conter cláusula que obrigue o devedor a pagar a dívida em dólar, pois o que se permite é tão-somente o pagamento em Real com o saldo devedor reajustado pela incidência da variação cambial.
Registro de CPR
Diferentemente da redação original da lei, que dispunha que a CPR, para ter eficácia contra terceiros, deveria ser inscrita no Cartório de Registro de Imóveis do domicílio do emitente, a Nova CPR, com as alterações trazidas pela Lei do Agro, exige que o título deverá ser registrada ou depositada, em até 10 (dez) dias úteis da data de emissão ou aditamento, em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer a atividade de registro ou de depósito centralizado de ativos financeiros ou de valores mobiliários.
Esse artigo foi regulamentado por normativo do Banco Central. Veja: Res. 4.870/20 do BC regulamenta registro e depósito de CPR’s.
Não obstante, vale dizer ainda que a hipoteca, o penhor rural e a alienação fiduciária sobre bem imóvel garantidores da CPR deverão ser levados a registro no cartório de registro de imóveis em que estiverem localizados os bens dados em garantia para que possam valer contra terceiros.
Confecção do Título
Quando a lei cria um título de crédito e, ao mesmo tempo, estabelece o modelo que vai ser utilizado nos negócios, não há risco para ninguém em confeccionar um título errado, pois o padrão já está definido e basta seguir o que foi legalmente proposto.
Quando, porém, a lei cria o título, mas não o modelo, dando às partes a liberdade de confeccioná-lo, aí surge o risco de se elaborar um título defeituoso. Em como é sabido, um título de crédito defeituoso pode prejudicar sensivelmente o direito das partes.
A Lei que criou a CPR – Lei n. 8.929/94 – por exemplo, não estabeleceu um modelo de cédula a ser utilizado como padrão por quem faz uso do título, mesmo assim, exige que a cédula contenha os chamados “requisitos essenciais” para preservar sua força de título executivo extrajudicial.
Assim, existem requisitos essenciais a figurar na CPR com obrigação de entrega de produto rural, bem como requisitos essenciais na CPR com obrigação de liquidação financeira, sem falar dos requisitos essenciais que deverão estar presentes na CPR onde existe como garantia o patrimônio rural em afetação.
Nas duas primeiras CPR’s, os requisitos essenciais levam em conta diretamente a natureza da obrigação assumida pelo emitente, ao passo que, na última, os requisitos essenciais têm a ver diretamente com a natureza da garantia prestada no título.
No entanto, mesmo na CPR onde o patrimônio rural em afetação dirige a elaboração do título no tocante aos requisitos essenciais, é preciso tomar cuidado com a natureza da obrigação nela figurante, pois isto também é importante na sua confecção.
Assim, para elaborar a CPR com obrigação de entregar produto rural e a CPR com obrigação de liquidação financeira, é importante observar o que a Lei 8.929/94 estabelece, enquanto que para elaborar a CPR com patrimônio rural em afetação como garantia, além da Lei 8.929/94, é necessário observar também as disposições da Lei 13.986/2020 – Lei do Agro, principalmente nos seus artigos 16 e 22.
Outros temas relacionados à CPR
Para saber mais sobre temas relacionados à CPR, mas que não foram propriamente alterados pela Lei do Agro e que continuam com a mesma interpretação, também recomendamos a leitura de mais alguns posts:
O produtor rural deve tomar muito cuidado com endosso de CPR, principalmente se ela for emitida apenas como garantia de preço.
Para saber mais, acesse: CPR de hedge e endosso
Nas Cédulas de Produto Rural é comum a presença de cláusula de vencimento antecipado, através da qual o credor pode tornar extraordinariamente exigível o cumprimento da obrigação, pelo fato do devedor infringir alguma de suas disposições.
O que você precisa saber sobre isso? Acesse e confira: Execução de CPR com base em cláusula de vencimento antecipado
A CPR é um título líquido e certo em face do qual seu emitente promete entregar, ao credor, produto rural (art. 1º), cuja quantidade e qualidade devem estar descritas expressamente no seu contexto (art. 3º, IV), bem assim ali indicado, com precisão, o local em que a promessa deve ser satisfeita (art. 3º, V).
Para saber mais sobre questões relacionadas ao local de entrega, leia: CPR – Local de entrega de produto rural
Quais cuidados o produtor rural que vai arrendar a terra precisa ter em relação à eventuais CPRs emitidas pelo arrendador?
Saiba mais aqui: Contrato de arrendamento rural x CPR
É possível haver cláusula de juros de mora em CPR física?
Entenda mais: CPR não admite cobrança de juros de mora
Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio. Fundador da banca na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 99158-2437 (whatsapp) / pb@pbadv.com.br / www.pbadv.com.br
Tobias Marini de Salles Luz – advogado na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 9 9158-2437 (whatsapp) / tobias@direitorural.com.br / www.pbadv.com.br
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