O produtor rural que enfrenta dificuldades para pagar seu financiamento agrícola pode se deparar com o seguinte questionamento: afinal, o banco é legalmente obrigado a alongar a dívida rural?
Este artigo busca responder essa pergunta à luz das normas atuais, especialmente o MCR 2-6-4, destacando os desdobramentos jurídicos recentes, decisões judiciais relevantes e o entendimento consolidado sobre o tema.
O fundamento jurídico e político do Alongamento da Dívida Rural
Como já tratamos em outro artigo (Política Agrícola), o Crédito Rural tem por objetivo fornecer recursos à atividade agropecuária por meio do financiamento de produtores rurais e suas cooperativas. Como instrumento de Política Agrícola, deve ser conduzido sempre com vistas ao fortalecimento da atividade rural produtiva e ao desenvolvimento social.
Já o Alongamento da Dívida Rural foi instituído como mecanismo político e jurídico para reprogramar o calendário de pagamento da dívida nos casos de comprovada impossibilidade de adimplemento, evitando a mora e a execução da dívida, sem alterar os encargos originalmente pactuados. A finalidade é mitigar os efeitos danosos do endividamento agrícola, o qual compromete diretamente o exercício da função social da propriedade e, de forma indireta, ameaça a segurança alimentar da população, o abastecimento interno e o bem-estar social.
A relação entre os dois institutos é, portanto, complementar: sem compreender a lógica e os fundamentos do Financiamento Rural, não se compreende a necessidade e a função do Alongamento de preservar a capacidade financeira e, em última análise, produtiva do produtor rural.
Entendendo o contexto jurídico: do MCR 2-6-9 ao MCR 2-6-4
Historicamente, o direito ao alongamento da dívida rural estava claramente previsto no item 9 da antiga redação do MCR 2-6, onde constava que “é devida a prorrogação da dívida” em determinadas situações.
Com a edição da Resolução nº 4.905/2021, contudo, o texto foi reformulado: agora, o MCR 2-6-4 dispõe que a instituição financeira está “autorizada a prorrogar” a dívida, mediante comprovação da dificuldade temporária e da capacidade futura de pagamento por parte do mutuário.
Embora essa mudança de linguagem tenha gerado discussões quanto à obrigatoriedade da concessão da prorrogação, o entendimento jurisprudencial e doutrinário majoritário continua a reconhecer o alongamento como um direito do produtor, e não mera faculdade do agente financeiro. O que a Resolução 4.905/2021 fez foi apenas acrescentar dois requisitos à análise que deve ser feita pela instituição financeira, a saber, a comprovação da dificuldade temporária e a capacidade futura de pagamento.
Afinal, as instituições financeiras não dependem de autorização governamental para renegociar qualquer dívida que seja. O objetivo da norma, neste sentido, é autorizar que a renegociação seja feita nos moldes previstos no MCR 2-6-4, vinculado à necessidade de preservação e proteção do setor rural.
O que dizem os tribunais sobre o direito ao alongamento?
O entendimento firmado pela Justiça é exatamente de que, preenchidos os requisitos normativos, o banco não pode se recusar injustificadamente a conceder o alongamento. Isto é, o alongamento não é mera faculdade da instituição financeira, mas direito do produtor rural.
Embora a Súmula 298 do STJ tenha origem em legislação anterior (Lei 9.138/95 e o contexto da Securitização e do PESA), sua aplicação tem sido ampliada para fundamentar o direito ao alongamento com base no MCR. Veja o que diz a referida Súmula:
“O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.”
No mesmo sentido é a jurisprudência dominante. Tribunais como o TJPR, TJSP, TJDFT, TJMG e o TRF da 4ª Região têm reiteradamente reconhecido esse direito, mesmo após a vigência do novo MCR.
No TJPR, por exemplo, o acórdão nº 1657300-1 (autos 0002389-06.2010.8.16.0092), relatado pelo Des. Luiz Fernando Tomasi Keppen, reconheceu expressamente que o produtor faz jus ao alongamento da dívida rural, em razão de dificuldades de comercialização, frustração de safra ou ocorrência prejudiciais ao desenvolvimento da atividade.
No TJSP, a Apelação Cível 1013412-26.2016.8.26.0032 reafirmou, com base na Lei 4.829/65 e nas regras do Manual de Crédito Rural, que o alongamento da dívida rural constitui obrigação legal das instituições financeiras. O tribunal reconheceu que o produtor cumpria os requisitos legais e determinou a reprogramação da dívida por cinco anos, com carência de doze meses.
O TRF da 4ª Região, no julgamento da Apelação Cível 5008203-86.2016.4.04.7005, decidiu que, diante de frustração de safra e ocorrências prejudiciais, o produtor tem direito ao alongamento da dívida nos mesmos encargos pactuados, conforme previsão do MCR.
Ampliando ainda mais a proteção conferida ao produtor rural, o TJMG, no AgInt 1944978-17.2022.8.13.0000, entendeu que, preenchidos os requisitos para o alongamento da dívida rural, é indevida a inscrição do nome do produtor nos cadastros de inadimplentes. A corte concedeu tutela de urgência para suspender a execução e resguardar o direito do produtor até decisão definitiva sobre o pedido de prorrogação.
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Considerações finais
A alteração da redação do MCR 2-6-4 não retirou do produtor o direito ao alongamento da dívida rural. Quando presentes os requisitos legais e comprovada a necessidade de prorrogação, a negativa do banco pode ser revertida judicialmente.
A análise jurisprudencial reforça que o termo “autorizada” não significa liberdade irrestrita para negar a prorrogação, mas sim uma autorização para proceder à prorrogação nos moldes fixados — em favor do produtor.
Em tempos de instabilidade climática e oscilação de mercado, conhecer e exigir seus direitos é uma medida essencial para preservar a sustentabilidade do seu negócio rural. E a atuação jurídica especializada é essencial para garantir esse direito, especialmente nos casos em que o banco impõe barreiras indevidas.
Para entender mais sobre o direito à prorrogação de dívida rurais, leia Posso prorrogar minha dívida rural? Entenda o direito ao alongamento
Julio César Nascimento Bornelli – advogado, sócio-fundador da banca LCB Advogados. Empresário. Contato:
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