Interpretação jurídica
Antiga reivindicação do setor agrícola, a lei nº 13.288/2016 que estabelece regras e formas para elaboração dos chamados “contratos de integração”, envolvendo atividades agrossilvipastoris, foi publicada no dia 17.05.2016, regulando uma atividade econômica até então carente de legislação própria.
Contrato de integração nada mais é que uma relação jurídica que vincula produtor integrado e o integrador, onde os integrados se responsabilizam por uma parte do processo produtivo ou comercial do integrador. Um dos exemplos mais comuns deste tipo de contrato é aquele da cadeia produtiva de frango ou suínos, onde uma indústria (integrador) fornece insumos, tais como ração, medicamentos, assistência técnica, para que o produtor rural (integrado) promova a engorda do animal que depois será comprado, abatido e comercializado pelo integrador.
Por falta de regras específicas, os contratos de integração seguiam a disciplina dos contratos em geral tratado no Código Civil. Agora, com a nova lei, os contratantes devem seguir as regras e princípios próprios deste negócio jurídico.
O único veto presidencial ao projeto aprovado no Congresso foi em relação à exigência de adequação dos contratos já firmados com a nova lei, sob argumento de que isto violaria o princípio do ato jurídico perfeito, de modo que os antigos contratos permanecem em vigor, até que novo contrato seja elaborado entre as partes sob os efeitos da nova lei.
Isto não significa, todavia, que a nova lei deve ser deixada de lado na interpretação dos contratos antigos. Os princípios mencionados na legislação atual, bem como algumas garantias explicitadas no texto, podem e devem servir como base na interpretação de contratos elaborados antes de sua vigência. Ademais, da mesma forma, os princípios gerais do Código Civil, tais como a função social do contrato e a boa-fé, também deverão fazer parte da interpretação dos contratos feitos sob a nova lei.
Nos próximos comentários serão vistos algumas das principais mudanças da nova lei. Acompanhe diariamente neste blog a série de cinco comentários sobre o tema, sendo o próximo tema a definição do contrato de integração.
O Contrato de Integração
O que pode ser definido como atividade de integração? A lei 13.288/2016 fecha o foco dos contratos de integração para aquelas relações oriundas das atividades agrossilvipastoris. O que foge disso não pode se enquadrar como contrato de integração.
Nos termos do seu art. 2º, a lei dispõe que Integrado é aquele produtor agrossilvipastoril, com ou sem empregados, que se vincula ao Integrador mediante contrato de integração. Tanto um quanto o outro podem ser pessoa física ou jurídica, e a relação contratual deverá abranger o planejamento e realização de produção, industrialização ou comercialização de matéria-prima, bens intermediários ou bens de consumo final, com responsabilidades e obrigações recíprocas estabelecidas em contrato.
O contrato de integração deve conter a finalidade, as respectivas atribuições no processo produtivo, os compromissos financeiros, os deveres sociais, sanitários e ambientais, bem como uma série de requisitos essenciais e obrigatórios descritos no art. 4º, o qual também dispões que “o contrato de integração, sob pena de nulidade, deve ser escrito com clareza, precisão e ordem lógica”.
São requisitos obrigatórios do contrato de integração previstos no art. 4º, dentre outros, a definição das características gerais do sistema de integração e as exigências técnicas e legais para os contratantes, as responsabilidades e as obrigações das partes no sistema de produção, os padrões de qualidade dos insumos fornecidos pelo integrador e dos produtos a serem entregues pelo integrado, as fórmulas para o cálculo da eficiência da produção, as formas e os prazos de distribuição dos resultados entre os contratantes, o prazo para aviso prévio, no caso de rescisão unilateral e antecipada do contrato de integração, as sanções para os casos de inadimplemento e rescisão unilateral do contrato de integração, etc.
Quando for o caso de relação entre cooperativas e seus associados ou entre as próprias cooperativas, a integração se constitui “ato cooperativo”, o qual é regido por lei própria (parágrafo único do art. 1º).
O §2º do art. 2º ainda estabelece que “a simples obrigação do pagamento do preço estipulado contra a entrega de produtos à agroindústria ou ao comércio não caracteriza contrato de integração.”
Além disso, o contrato de integração não configura prestação de serviço ou relação de emprego entre integrador e integrado, seus prepostos ou empregados.
No próximo comentário, será visto a questão da CADEC: Comissão para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração, cuja previsão contratual também é obrigatória.
A “CADEC”
Neste terceiro artigo da série de comentários à Lei n. 13.288/2016, será analisada a criação dos centros de resolução de conflitos, chamados na lei de CADEC (Comissão para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração). Embora sua criação, funcionamento e previsão contratual tenham se tornado obrigatório, isto não significa, em um primeiro momento, que os produtores integrados serão obrigados a resolver seus conflitos nesta comissão de conciliação.
Isto porque a nova lei estabelece como cláusula obrigatória dos contratos de integração a existência e a instituição da CADEC, “a quem as partes poderão recorrer para a interpretação de cláusulas contratuais ou outras questões inerentes ao contrato de integração.” (art. 4º, XV)
Ao estabelecer que as partes “poderão recorrer” à comissão, criou-se uma faculdade, tanto da integradora quanto do produtor integrado, de escolherem apresentar seu problema nesta comissão ou diretamente ao Judiciário. Esta faculdade, todavia, pode desaparecer se no contrato de integração houver cláusula expressa em sentido contrário. Mas isto será matéria de outro comentário, sobre mediação e arbitragem em contratos.
A CADEC é uma comissão de conciliação, cuja criação e funcionamento deverá ser partilhada entre integradora e integrados. Seus componentes deverão ser indicados tanto pela integradora quanto produtores integrados, na mesma quantidade, formando assim uma comissão paritária.
Ainda é cedo para dizer como isto ocorrerá na prática, pois algumas perguntas ainda ficam no ar. Afinal, como se dará o processo de escolha desses membros, tanto da integradora quanto dos integrados? Qual será o mandato de cada um? Haverá remuneração? Prazos para resolução dos conflitos? Local de funcionamento? Observem, portanto, que a lei criou um novo mecanismo, mas não estabeleceu parâmetros de funcionamento, o que poderá gerar confusão e problemas.
Caso o produtor integrado opte em levar seu problema ao CADEC, a recomendação é que se faça acompanhado do seu advogado, pois a integradora certamente estará representada pelo seu corpo jurídico. Afinal, com as novas regras processuais sobre acordos extrajudiciais, é de extrema importância que o produtor integrado tenha total consciência daquilo que for se transformado em acordo. Por isso a necessidade de acompanhamento do advogado. O prejuízo de um acordo mal assinado poderá ser enorme no futuro.
No próximo comentário comentário, a questão ambiental.
Responsabilidade Ambiental
Este quarto comentário à nova lei de integração focará o seu art. 10, que deu um grande passo legislativo sobre a proteção ambiental, ao estabelecer que tanto o produtor integrado quanto a integradora deverão atender as exigências da legislação ambiental para o empreendimento ou atividade desenvolvida no imóvel rural na execução do contrato de integração.
Essa norma visa dar cumprimento ao princípio da maior proteção ao meio ambiente, pois ao alocar a integradora também como responsável ambiental pelo empreendimento ou atividade desenvolvida, a possibilidade de cumprimento das normas ambientais aumenta consideravelmente.
São dois pontos positivos na inclusão desta norma. Primeiro, praticamente transmitiu para a integradora a fiscalização ambiental de seu integrado, contribuindo assim com a fiscalização dos órgãos públicos competentes. Segundo, visou dar efetividade ao cumprimento das obrigações ambientais, tanto no sentido da proteção ambiental quanto para o pagamento de eventuais multas impostas, pois ao trazer a integradora como co-responsável ambiental, também impôs à ela o ônus do pagamento de eventuais multas.
Este pode ser um exemplo de norma cuja aplicação se dará independentemente da época da elaboração do contrato de integração, se antes ou depois da lei nova, como visto no primeiro comentário da série. Por isso, a necessidade de imediata atenção do integrador.
A responsabilidade da integradora somente desaparecerá quando o produtor integrado adotar conduta contrária ou diversa às recomendações técnicas fornecidas pela integradora ou estabelecidas no contrato de integração. Do contrário, será co-responsável pela proteção ambiental na execução do contrato de integração, de modo que um contrato mau feito ou omisso poderá repercutir negativamente a integradora.
Sem dúvida, é um grande passo na legislação ambiental brasileira e um alerta para integradores.
No próximo comentário, mais uma inovação: a questão da proteção do integrado diante de eventual recuperação judicial do integrador.
Recuperação Judicial do Integrador
Esta série de comentários sobre a nova lei de integração finaliza com seu quinto artigo comentando outro avanço constante no texto sancionado: a posição do integrado diante da recuperação judicial do integrador.
A recuperação judicial, instrumento jurídico que vem recebendo muita atenção no ordenamento brasileiro, está cada vez mais presente no agronegócio, onde inclusive há alguns vácuos legislativos e questões próprias que desafiam o Judiciário em sua interpretação, como, por exemplo, a continuidade de eventuais contratos de arrendamento ou parceria rural com a empresa recuperanda. É de se esperar, portanto, que novas leis já possam resolver estes problemas de minimização dos riscos diante do cenário de recuperação judicial ou falência.
No art. 13 da nova lei de integração, há a disposição de que em caso de recuperação judicial do integrador, o produtor integrado poderá pleitear a restituição dos bens desenvolvidos até o valor de seu crédito e/ou requerer a habilitação de seus créditos com privilégio especial sobre os bens desenvolvidos.
Longe de ser a melhor forma de resolver a questão, ou mesmo a melhor redação que poderia se esperar sobre o assunto, pelo menos é uma saída prevista à disposição do integrado, que passa a ter melhor chance de receber eventuais créditos do integrador em recuperação, sorte esta que não alcança boa parte dos credores fidejussórios de empresas em recuperação judicial.
Para sua melhor efetividade, necessário que o integrado possua um bom contrato e mantenha registros eficientes, atuais e claros de sua atividade, tais como insumos recebidos, bens integralizados, quantidade vendida, valores recebidos, etc.
Tobias Marini de Salles Luz – advogado na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 9 9158-2437 (whatsapp) / tobias@direitorural.com.br / www.pbadv.com.br
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