Imagine investir seus recursos financeiros em uma safra e, devido a uma seca severa, perder a maior parte da colheita. Sem receita, como pagar o financiamento rural? Esse é um drama que aflige muitos produtores rurais há tempos. O que muitos desconhecem é que existe uma lei que garante ao produtor o direito de prorrogar suas dívidas rurais.
A prorrogação da dívida rural é um direito previsto no Manual de Crédito Rural (MCR) e fundamentado nas Leis do Crédito Rural e da Política Agrícola. Essa proteção se aplica quando o produtor, por circunstâncias adversas, perde temporariamente a capacidade de pagamento, permitindo a continuidade de sua atividade sem comprometer seu patrimônio.
Neste artigo, explicaremos o que é o alongamento da dívida rural, como solicitá‑lo e quais são os critérios para garantir esse direito.
O que é o alongamento da dívida rural?
O alongamento ou a prorrogação da dívida rural é um mecanismo previsto no Manual de Crédito Rural (MCR) 2.6.4, que permite ao produtor rural reorganizar o calendário de pagamento do financiamento quando há perda de receita por fatores alheios ao seu controle, como condições climáticas adversas, dificuldades de comercialização ou problemas que impactem sua produção.
Esse direito tem o objetivo de proteger o setor agrícola e garantir a estabilidade econômica e social do país, conforme dispõe o art. 2º, inciso IV, da Lei 8.171/91 (Lei da Política Agrícola).
Convém registrar que, dentro do Manual de Crédito Rural, há três procedimentos distintos para o alongamento (MCR 2‑6‑4, 3‑2‑15 e 11‑1‑4), cada qual com requisitos próprios.
O mais abrangente e que costumeiramente é utilizado é o MCR 2.6.4, por isso ele será o foco deste artigo; ao final, porém, apresentaremos um panorama sucinto dos demais dispositivos, explicitando as diferenças entre cada um.
Quais dívidas podem ser prorrogadas?
Podem ser alongadas as operações de crédito rural regulamentadas pela Lei 4.829/65 (Lei do Crédito Rural), independentemente do tipo de contrato utilizado, seja Cédula de Crédito Rural (CCR) ou Cédula de Crédito Bancário (CCB).
Importante: muitas decisões judiciais têm negado a possibilidade de prorrogação de débito formalizado em CCB, por entenderem que se trata de título bancário comum. Todavia, cumpre lembrar que o próprio Manual de Crédito Rural – ato normativo do Banco Central – admite que contratos de crédito rural sejam lavrados em CCB, razão pela qual o enquadramento à Lei 4.829/65 depende da finalidade dos recursos, não da forma do título.
Quando posso solicitar o alongamento da dívida?
O pedido pode ser feito sempre que ocorrer uma das seguintes situações previstas no Manual de Crédito Rural:
- Dificuldade de comercialização dos produtos;
- Frustração de safra por fatores adversos (estiagem, chuvas excessivas, pragas, entre outros);
- Ocorrências que prejudiquem o desenvolvimento da atividade agrícola.
Se o produtor se enquadrar em alguma dessas condições, ele deve solicitar formalmente a prorrogação junto à instituição financeira.
Vale lembrar que o MCR 2‑6‑4 não estabelece data‑limite para a entrega desse pedido: o protocolo pode ocorrer antes ou mesmo depois do vencimento da parcela, desde que o evento adverso tenha efetivamente comprometido o fluxo de caixa. O banco, portanto, não pode impor prazos próprios ou exigir que o pleito seja apresentado “X dias antes” do vencimento, sob pena de contrariar a norma.
Já nos casos específicos disciplinados pelo MCR 3‑2‑15 (custeio agrícola pós‑colheita) e pelo MCR 11‑1‑4 (parcelas BNDES/FINAME), existem janelas temporais distintas: o primeiro exige protocolo entre a colheita e o vencimento, e o segundo admite formalização até 60 dias após o vencimento da prestação. Essas exceções, contudo, não alcançam o MCR 2‑6‑4, que continua sem prazo fixo.
Esse pedido, todavia, não deve ser feito de qualquer forma, ou de maneira genérica. Sua formalização é o ponto mais importante para se garantir o direito à prorrogação, e por isso, o produtor deve ter em mente os requisitos desse pedido, que veremos a seguir.
Como solicitar a prorrogação da dívida rural?
Antes de entender em como solicitar a prorrogação, é importante ressalvar o que o produtor NÃO deve fazer. Dois pontos chamam a atenção:
- Não use o modelo fornecido pelo Banco: muitos bancos fornecem modelos para se solicitar a prorrogação. Em alguns casos é possível utilizar esses modelos, desde que um advogado tenha lido e orientado a respeito. Normalmente, esses modelos contêm frases que restringem ou limitam o direito dos produtores.
- Não faça um pedido sem acompanhamento de um advogado: uma notificação bem instruída é a chave para se conseguir o alongamento das operações. E, como tudo na vida, muitas vezes o que você escreve pode te comprometer no futuro. Por isso, esteja bem orientado por um advogado especializado em direito do agronegócio para fazer o pedido de prorrogação.
Feitas essas ressalvas, destacamos três pontos que o produtor deve observar quando solicitar sua prorrogação:
Faça o pedido administrativo de alongamento antes do vencimento
O primeiro passo é formalizar o pedido junto ao banco antes do vencimento da operação, sempre que possível.
Embora o MCR 2‑6‑4 não exija que o pedido de alongamento seja feito num momento específico, a justiça tem exigido que o pedido seja apresentado antes do vencimento. Ainda que não concordemos com esse posicionamento, é importante observá-lo para evitar a perda do direito ou mesmo discussões processuais desnecessárias.
No momento da formalização do pedido, o produtor precisa comprovar duas situações: que houve um evento adverso que comprometeu a receita e que sua capacidade de pagamento foi comprometida temporariamente, mas sua atividade ainda é viável.
A notificação deve ser bem fundamentada e acompanhada de um novo cronograma de pagamento ajustado à realidade financeira do produtor.
Além disso, a notificação precisa ser escrita de forma a resguardar, desde logo, o direito do produtor em uma eventual ação judicial — tarefa que exige a experiência de um advogado especializado em crédito rural.
Reúna provas da incapacidade de pagamento
O produtor deve apresentar documentação que comprove a frustração da safra ou a dificuldade financeira, como laudos agronômicos, registros meteorológicos, notas fiscais de comercialização, relatórios contábeis demonstrando o impacto no caixa, etc.
Cada caso exigirá uma demonstração diferente; por isso, é recomendável contar com um agrônomo ou veterinário, a depender do caso, para elaborar laudo técnico que demonstre a real situação do empreendimento e a incapacidade de pagamento.
Essa comprovação é essencial para garantir a aceitação do pedido.
Tenha um cronograma de pagamento realista
O produtor deve apresentar um fluxo de caixa projetado, incluindo, dentre outros, a receita estimada por safra, custos operacionais e capacidade de pagamento ano a ano.
Esse documento pode ser elaborado por um engenheiro agrônomo ou outro profissional qualificado, mas deve ser revisado por um advogado especializado, pois erros no cálculo podem comprometer a negociação com o banco.
Quais são os critérios para a prorrogação ser concedida?
A prorrogação da dívida rural deve obedecer a critérios que assegurem condições justas ao produtor:
- Capacidade real de pagamento: o novo cronograma deve ser compatível com a previsão de receitas do produtor;
- Prazos ajustados à atividade: os vencimentos devem coincidir com os períodos de comercialização da produção, quando a atividade gera a renda que dela se espera;
- Juros mantidos ou reduzidos: não pode haver aumento da taxa de juros remuneratórios;
- Juros moratórios limitados a 1% ao ano: conforme previsto em legislação especial;
- Sem confissão de dívida abusiva: o produtor não deve assinar acordos que inflacionem a dívida com penalidades excessivas;
- Sem acréscimo de novas garantias: devem ser mantidas as garantias originais.
Se o banco recusar a prorrogação pelo prazo necessário, o produtor não deve assinar acordos prejudiciais. É comum as instituições financeiras concederem apenas 1 ano de prorrogação, por exemplo, ou imporem condições abusivas, como o pagamento dos juros ou o aumento das garantias oferecidas, tal qual a alienação fiduciária. Nesse caso, é fundamental buscar apoio jurídico para garantir seus direitos.
Muito importante: se há um pedido de prorrogação, é possível pleitear judicialmente que a instituição financeira seja impedida de inscrever o nome do produtor no SERASA. Nós trabalhamos essa tese desde o ano 2018, neste artigo para a revista Conjur, e desde então, várias decisões têm concedido liminar para impedir a negativação do nome dos produtores que tenham solicitado a prorrogação.
Outros procedimentos de alongamento previstos no MCR
Como mencionado anteriormente, embora o alongamento disciplinado no MCR 264 seja o mais abrangente e, na prática, o mais utilizado, o Manual de Crédito Rural contempla dois outros mecanismos de prorrogação voltados a situações mais específicas. Veremos cada um deles:
MCR 3.2.15 – custeio agrícola pós colheita
Aplicável exclusivamente às operações de custeio agrícola, para o momento de comercialização da produção. Essa observação é importante porque, em caso de perdas, não é por aqui o caminho a ser seguido. Essa prorrogação somente abrange situações em que o produto foi colhido, ou está na iminência de ser, e o produtor precisa de prazo para sua comercialização ou recebimento do valor da venda.
O pedido deve ser apresentado depois da colheita e até 15 dias antes do vencimento e exige que o produtor mantenha o produto colhido em depósito como garantia. Caso o financiamento tenha sido contratado com recursos controlados, o banco deve reclassificar a operação para recursos livres antes de alongar a dívida.
MCR 11.1.4 – parcelas de programas de investimento agropecuário
Destinado a financiamentos de investimento subvencionados. Permite prorrogar a parcela a vencer no ano corrente, redistribuindo este valor nas parcelas restantes, ou prorrogando para até 12 (doze) meses após o vencimento do contrato. Exige o pagamento dos encargos financeiros do ano e o protocolo do pedido até o vencimento da prestação. O benefício pode ser utilizado no máximo três vezes durante a vigência do contrato e o banco poderá solicitar garantias adicionais.
Atenção: as condições acima aplicam-se apenas aos dispositivos citados. Exigir, em um pedido lastreado no MCR 264, prova de depósito do produto colhido ou pagamento antecipado de juros constitui excesso da instituição financeira e pode ser questionado judicialmente.
Perguntas frequentes
Sim. O MCR não restringe pelo tipo de título; o mais importante é a finalidade rural do crédito.
Via de regra, a notificação deve ser feita antes do vencimento. Todavia, a legislação estabelece que, mesmo após o vencimento, o produtor tem direito a prorrogar sua dívida.
Somente nas renegociações de investimento (MCR 11‑1‑4) é obrigatório quitar os encargos do ano.
O MCR 2‑6‑4 não condiciona a prorrogação à assinatura de confissão de dívida ou à inclusão de penalidades adicionais.
A norma não fixa um número‑limite. É possível pedir nova prorrogação sempre que um evento adverso, devidamente comprovado, comprometer novamente a capacidade de pagamento.
Sim. O pedido pode ser feito mesmo após o vencimento e o protesto não impede a prorrogação.
Não. É preciso fazer um pedido judicial para impedir a inscrição em cadastros de inadimplentes e atos executivos até a análise definitiva do pedido.
Sim. O MCR não fiz distinção quanto à forma societária ou o porte econômico do produtor.
Proteja seu patrimônio: conte com apoio jurídico especializado
A prorrogação da dívida rural é um direito garantido por lei, mas exercê-lo corretamente exige estratégia e documentação adequada. Um pedido mal fundamentado pode ser negado tanto na fase administrativa quanto na fase judicial, comprometendo o patrimônio do produtor.
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Tobias Marini de Salles Luz – advogado, sócio-fundador da banca LCB Advogados. Contato:
📞 WhatsApp: (44) 9 9158-2437
📧 E-mail: tobias@direitorural.com.br
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