É uma cena comum no agro. O produtor rural procura o banco ou a cooperativa em busca de crédito para custeio, investimento ou renegociação de dívida, e a resposta é quase sempre a mesma: só liberamos com garantia. E não é qualquer garantia. A exigência, em muitos casos, é de alienação fiduciária — instrumento que transfere provisoriamente a propriedade do imóvel ao credor até o pagamento integral da dívida. Sem muitas alternativas e, por vezes, sem plena consciência dos riscos, o produtor aceita.
Essa situação provavelmente já aconteceu com você, ou com alguém próximo. Caso você não saiba ou não se lembre o que é a alienação fiduciária e o risco que ela representa, recomendamos a leitura do artigo Alienação fiduciária de imóvel rural, em que explicamos por que esse tipo de garantia pode ser extremamente prejudicial para quem vive da terra.
Mas e agora, diante de uma cobrança ou ameaça de perda do imóvel, o que fazer? Entregar a propriedade e abrir mão de tudo que foi construído com esforço ao longo dos anos?
Já explicamos em outros artigos que o produtor rural tem direito à prorrogação das dívidas rurais quando sofre com adversidades que comprometem sua capacidade de pagamento. Veja: Posso prorrogar minha dívida rural? Entenda o direito ao alongamento. Este direito pode, inclusive, impedir a consolidação da propriedade em nome do credor, quando exercido da forma correta e observando os requisitos legais.
Neste artigo, vamos nos concentrar em uma questão específica: a pequena propriedade rural dada em alienação fiduciária pode mesmo ser tomada em caso de inadimplemento?
A Constituição protege o produtor
A pequena propriedade rural, quando trabalhada pela família, é constitucionalmente protegida contra a perda forçada. Essa proteção vai além da técnica jurídica, ela representa um direito fundamental do produtor e um compromisso do Estado com a dignidade da pessoa humana, a preservação da atividade rural e a permanência do produtor em sua terra.
Todavia, este não é um direito automático: o produtor rural precisa pleitear essa proteção judicialmente e comprovar o cumprimento de seus requisitos, o que nem sempre é fácil. Por isso a importância de procurar advogados que já atuem na área, pois uma vez negado o pedido pela justiça, em tese, ele não pode ser refeito.
Importante: essa proteção independe do tipo de contrato assinado. Mesmo que o produtor tenha firmado uma alienação fiduciária, o imóvel permanece protegido pela Constituição, pois um contrato não tem o poder de anular direitos fundamentais.
“Mas fui eu quem ofereci o imóvel. E agora?”
Essa é uma dúvida recorrente. Afinal, se foi o próprio produtor quem ofereceu o imóvel em garantia, isso não significaria uma renúncia à proteção legal?
O entendimento majoritário hoje dos Tribunais é que o direito à pequena propriedade rural é um direito fundamental e indisponível. Isso quer dizer que não pode ser renunciado, nem mesmo por vontade expressa do produtor, pois a Constituição está acima de contratos particulares.
Ou seja, mesmo que o produtor tenha dado o imóvel em garantia voluntariamente, ele permanece como impenhorável.
O que é uma pequena propriedade rural?
Essa questão foi detalhada no artigo Impenhorabilidade da pequena propriedade rural – como isso pode me ajudar?, cuja leitura recomendamos. Mas, em síntese, a proteção se aplica a imóveis que:
- Possuam até quatro módulos fiscais (o módulo varia conforme o município);
- Sejam trabalhados diretamente pela família, ou sejam fonte de renda para ela;
- Estejam vinculados à atividade produtiva do produtor.
Esses critérios formam a base da proteção jurídica.
O que fazer diante de uma situação de inadimplência?
Se você já é ou está na iminência de se tornar inadimplente em uma dívida que possui garantia de alienação fiduciária, procure imediatamente um advogado especializado em direito rural.
Agindo preventivamente e de forma anterior à consolidação, é possível, em alguns casos, reconhecer judicialmente a impenhorabilidade da pequena propriedade rural ou, pelo menos, suspender atos de consolidação da propriedade pelo banco.
A jurisprudência brasileira tem sido cada vez mais firme em reconhecer o valor dessa proteção constitucional, mas é necessário agir com estratégia e no momento certo.
Conclusão
Produtor rural, a pequena propriedade rural é protegida pela Constituição e nenhum contrato pode ser maior do que a garantia que lhe é conferida pela Lei.
Sua terra é sua segurança e seu sustento. Não aceite colocar seu patrimônio em risco. Procure um advogado especializado em direito rural e proteja seu direito!
Julio César Nascimento Bornelli – advogado, sócio-fundador da banca LCB Advogados. Empresário. Contato:
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📧 E-mail: juliocesar@direitorural.com.br
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