O Estatuto da Terra, a saber, a Lei nº 4504/64, segundo dedicados estudiosos, objetivou estabelecer uma disciplina legal que protegesse o economicamente menos favorecido no processo de cultivar a terra de outrem, explorando-a em sua vocação agrícola, pecuária, etc.
Assim, com a intenção de querer fazer justiça social, o pressuposto adotado pela Lei foi de que, economicamente falando, todo arrendatário é fraco e todo arrendador é forte, daí a necessidade da intervenção legal para equilibrar as forças entre eles.
Se em algum tempo a extrema proteção foi necessária, modernamente parece não mais se justificar um comando legal tão tendencioso, assim que, salvo melhor juízo, na busca da justiça social pode, isto sim, promover a injustiça social.
A justiça social buscada lá no início dizia respeito ao estabelecimento de certos direitos e benefícios em favor do arrendatário, guardados sob sete chaves no cofre da irrenunciabilidade, para assegurar-lhe uma condição mais confortável diante do arrendador na hora de contratar, visto como aquele que tinhas forças para prevalecer na negociação.
Deste modo, para proteger o arrendatário no momento da fixação do preço do pagamento do arrendamento, por exemplo, optou-se por estabelecer que o preço deveria fixado em quantia certa em dinheiro ao invés de quantidade de produto (Art. 18, D 59566/66 – decreto que regulamenta o Estatuto da Terra).
Esta intervenção exagerada na formação do contrato tornou-se, no tempo, um entrave para as partes negociarem, pois a estipulação em quantidade de produto passou a ser a maneira mais interessante de remuneração da terra, tanto para quem paga, quanto para quem recebe.
Para estabelecer como regra a vedação de contratar o preço do arrendamento em quantidade de produto, supondo que a fixação em quantia em dinheiro beneficiaria o arrendatário, o Art. 18 do Decreto 59.566/66, com as cautelas de estilo, cometeu ao menos 4 erros:
4 erros cometidos pelo Estatuto da Terra
1º pressupôs que todo arrendatário seria hipossuficiente.
Dentro desta premissa, não houve espaço na Lei para se pensar num arrendatário hipersuficiente, o qual poderia contratar de forma diversa o aluguel da terra.
Sabidamente, nem todo arrendatário se encaixa na figura do economicamente menos privilegiado;
2º pressupôs que fixar o preço do arrendamento em dinheiro e não em quantidade de produto protegeria o arrendatário.
Presentemente tal estipulação está longe de ser proveitosa, visto que o produto rural passou a ser uma moeda de pagamento mais interesse do que a moeda de circulação obrigatória no País (Real);
3º pressupôs que o economicamente menos favorecido nunca figuraria no contrato na condição de arrendador.
De uns tempos para cá, é possível encontrar arrendadores com potencial econômico muito menor do que seus arrendatários, de maneira que a Lei agora (Art. 18 D 59.566/66) se lhes mostra totalmente desforável; e
4º pressupôs que o economicamente mais forte nunca figuraria no contrato na condição de arrendatário.
Grandes empresas exploram terras rurais atualmente na condição de arrendatárias, com possibilidade de invocar o benefício do referido Art. 18 para contratar o preço do arrendamento, já que a Lei não faz nenhuma distinção quanto ao destinatário do seu comando.
Se a Lei continua a impedir o pacto do preço do arrendamento em produto com o fito de proteger o economicamente menos favorecido, a injustiça social poderá se configurar quando quanto o arrendador é hipossuficiente e o arrendatário é hipersuficiente.
Conclusão
O caminho para correta aplicação da Lei (Estatuto da Terra) seria fazer a interpretação do texto legal à luz do fato jurídico a que se destina, ou seja, do contrato de arrendamento, para aplicar o comando legal segundo a qualificação das partes em termos de hipo ou de hipersuficiência.
Sendo assim, para não patrocinar a injustiça social, se o contrato de arrendamento trouxer cláusula dispondo que ambas as partes são hipersuficientes, ou que o arrendatário é hipersuficiente, a prescrição do Art. 18 deveria ser afastada, dando as partes a liberdade de contratar conforme lhes convém.
Com efeito, aplicar uma Lei que promove a injustiça social só por que a lei existe, ou seja, homenagear a lei pela lei, fazendo da lei um fim em si mesma é negar a máxima de que o fim da lei é o homem.
Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio. Fundador da banca na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 99158-2437 (whatsapp) / pb@pbadv.com.br / www.pbadv.com.br
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