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A culpa da recuperação judicial no agro é do produtor ou da justiça?

A justiça impõe barreiras ao crédito rural, dificultando renegociações e negando direitos, levando produtores à recuperação judicial.

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O aumento significativo no número de pedidos de recuperação judicial por parte de produtores rurais no Brasil é uma questão que merece uma reflexão profunda, especialmente sob a ótica do papel desempenhado pelo Poder Judiciário na interpretação e aplicação da legislação agrária vigente, mais especificamente sobre o direito de alongamento das operações de crédito rural, prevista no Manual de Crédito Rural (MCR), editado pelo Conselho Monetário Nacional.

Dificuldades no alongamento das operações de crédito rural

Como já trabalhado em outros artigos desse blog, há uma norma prevista pelo Conselho Monetário Nacional que assegura aos produtores rurais o direito ao alongamento das operações de crédito rural em casos em que há frustração de safra, dificuldade de comercialização ou outro fator que venha a prejudicar o correto desenvolvimento da lavoura.

Leia: Posso prorrogar minha dívida rural? Entenda o direito de alongamento

Todavia, o judiciário tem, em muitos casos, imposto barreiras que não encontram respaldo direto na legislação aos produtores que pleiteiam este direito.

Um exemplo significativo desta dinâmica é a exigência de que o pedido de alongamento de que dispõe MCR seja feito extrajudicialmente antes do vencimento da operação a ser alongada, de maneira formal, e que tenha uma negativa expressa da instituição. Estes requisitos, todavia, tratam de meras construções interpretativas da jurisprudência, que carecem de amparo em qualquer norma legal, como inclusive já foi bem pontuado pelo Dr. Lutero Pereira em suas obras Financiamento Rural (Ed. Juruá) e Alongamento de Dívida Rural (Ed. Ithala).

O cumprimento destes requisitos impostos pelo Judiciário (e não pela lei), tem se mostrado um grande obstáculo para os produtores rurais, uma vez que grande parte dos produtores até buscam a instituição financeira antes do vencimento, porém não são devidamente orientados (muito pelo contrário) ou, na maior parte dos casos, confiam nas promessas verbais de gerentes de que “vencida a operação, liberamos outra para quitar a anterior”, o que por vezes acaba não ocorrendo.

Esse exemplo é corriqueiro entre os clientes que nos procuram, dizendo que haviam solicitado a renegociação com seu gerente, mas jamais foi orientado a formalizar o pedido, isto quando não foi prometido verbalmente a prorrogação somente após o vencimento. Se você é produtor, sabe do que estou falando.

Análise superficial do crédito rural

Outro aspecto preocupante é a análise muitas vezes superficial ou equivocada das operações de crédito rural pelo Judiciário.

Em algumas decisões, por exemplo, Tribunais têm entendido que a Cédula de Crédito Bancário (CCB) não pode ser utilizada para operações de crédito rural, uma interpretação contrária à legislação (uma vez que o próprio Manual de Crédito Rural permite expressamente a utilização deste título) e à própria finalidade do instrumento, muitas vezes descrito como “custeio agrícola” ou afins.

Tais posicionamentos criam insegurança jurídica e dificultam a vida do produtor rural, já sobrecarregado por desafios econômicos e climáticos.

O Judiciário contribui para agravar a crise do agronegócio

A importância do crédito rural para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro é inegável. Trata-se de um setor que não apenas sustenta a economia do país, mas também é responsável por garantir a segurança alimentar nacional e global. Nesse contexto, o acesso a instrumentos de renegociação e alongamento de dívidas é essencial para manter a continuidade das atividades rurais, especialmente em períodos de crise.

Infelizmente, ao impor regras que extrapolam a legislação, ou ao interpretar de maneira equivocada os instrumentos jurídicos disponíveis, o Judiciário contribui para agravar a situação dos produtores rurais. Isto acaba por leva o produtor à buscar medidas extremas, e muitas vezes ineficientes, como é o caso da recuperação judicial, que acarreta transtornos significativos não apenas para o produtor, mas também para o sistema financeiro e para a economia como um todo.

Se o Judiciário aplicasse a legislação vigente de forma clara e coerente, sem criar requisitos adicionais ou interpretações que não encontram suporte legal, muitos pedidos de recuperação judicial poderiam ser evitados. Com isso, os produtores rurais teriam acesso facilitado aos instrumentos de renegociação previstos no MCR e o setor poderia operar com maior estabilidade e previsibilidade.

O caminho para reduzir os conflitos judiciais e seus impactos negativos passa, portanto, por uma atuação judicial mais alinhada com o texto e o espírito da lei.

Tobias Marini de Salles Luz – advogado, sócio-fundador da banca LCB Advogados. Contato:

📞 WhatsApp: (44) 9 9158-2437

📧 E-mail: tobias@direitorural.com.br

📱 Instagram: @tobiasluzadv

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