Com presença marcante no inciso XXII, do Artigo 5º da Constituição Federal, a garantia do direito de propriedade faz parte do rol seleto dos direitos e garantias fundamentais.
Como todo preceito de ordem superior, é preciso entender, medir e bem delimitar o alcance de sua aplicação.
De tempos em tempos, o País, socialmente falando, é sacudido por ações de grupos bem organizados que buscam se assenhorar de terras rurais, como se o simples fato de não serem eles proprietários de imóveis desta natureza fosse suficiente para lhes outorgar o direito de tomar para si bens de outrem, tendo por base o fato de que, pela Constituição, “é garantido o direito de propriedade”. No caso em tela, a delimitação do alcance da referida garantia é importante e necessária.
Salvo melhor juízo, a exegese do citado dispositivo constitucional, a saber, a exegese ortodoxa e não a heterodoxa, parece não autorizar nem legitimar as pressões advindas de invasões perpetradas em imóveis de exploração bem estruturada, posto que, se fosse autorizado pela Constituição Federal o uso da força ou da violência para tal finalidade, a Carta estaria a patrocinar a desordem e não a ordem social, o que, de longe, não é sua proposta organizacional.
Tomando como fundamento a ideia de que a Constituição Federal se propõe a organizar o País para um convívio harmônico entre todos, a leitura, a interpretação e a consequente aplicação do supracitado dispositivo superior devem andar em sentido diametralmente oposto ao adotado pelos que apregoam as “invasões” de terra, cuja agressão ao direito alheio é agora amainada pelo eufemismo “ocupação”.
No entanto, um bode que é chamado de cabrito nem por isto deixa de ter cheiro de bode.
Com efeito, a garantia do direito de propriedade, oriundo do inciso XXII, do Art. 5º da Constituição Federal, deve ser entendida como a garantia de se manter a propriedade que se tem, não de se ter a propriedade que não se tem.
Noutras palavras, o direito de propriedade constitucionalmente assegurado é posterior e deflui do ato da aquisição legítima do bem. Assim, fica afastada a possibilidade de invocar o preceito em tela para justificar a “aquisição” (ocupação) pela força de coisa alheia.
Portanto, o direito de propriedade, a saber, o direito de fruir e usufruir de bem imóvel, só pode ser assegurado à pessoa que adquire pelas vias legais a propriedade rural. Vale destacar que a base que legitima a proteção constitucional é a aquisição juridicamente tutelável e não aquela que é feita por meio de atos não jurídicos.
A garantia do direito de propriedade, frise-se, pressupõe a propriedade, e propriedade adquirida por uma das formas protegidas direta ou indiretamente pela própria Constituição.
Em suma, sob a força do preceito constitucional – Art. 5º, XXII – o direito de propriedade está garantido única e exclusivamente a quem possui a propriedade, e a possui a partir de ato legítimo de aquisição, estando longe de sua proposta ser um instrumento que autorize aquele que não tem propriedade a invocar sua força e proteção para se tornar proprietário de bem alheio.
Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio. Fundador da banca na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 99158-2437 (whatsapp) / pb@pbadv.com.br / www.pbadv.com.br
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