Notificação antes do vencimento: o grande impasse no alongamento das dívidas rurais

Entenda porque a notificação antes do vencimento não é requisito para o alongamento da dívida rural segundo o MCR 2-6-4.

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Nos últimos anos, os tribunais brasileiros consolidaram um entendimento restritivo quanto ao alongamento das dívidas rurais. Embora o MCR 2-6-4, que regula a prorrogação dessas operações, não exija o requerimento antes do vencimento, decisões recentes – acompanhadas semanalmente por nossa equipe no DRJURIS – reafirmam a posição de que o pedido de prorrogação deve ser feito antes do vencimento da operação.

Na prática, a ausência do requerimento prévio tem levado ao indeferimento de pedidos de urgência e, em muitos casos, à improcedência das ações de alongamento. Esse entendimento acaba por limitar o alcance de uma norma criada justamente para proteger o produtor em momentos de crise. O resultado é a exclusão de inúmeros agricultores que, por força das circunstâncias ou por desconhecimento, acabam solicitando o alongamento após o vencimento.

Leia também: Posso prorrogar minha dívida rural? Entenda o direito ao alongamento.

O exemplo do Pará: o alongamento não comporta formalismos

Enquanto a maioria dos tribunais mantém a exigência da notificação prévia, o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) tem se posicionado de forma que entendemos mais coerente com o espírito do crédito rural. Em diversas decisões recentes, o Tribunal paraense tem reconhecido que a notificação antes do vencimento não é requisito essencial para o exercício do direito ao alongamento.

Como exemplo, destaca-se decisão proferida em 16/09/2025, na qual o Tribunal observou que “a norma MCR 2.6.4 não fixa prazo específico para o pedido de prorrogação, nem exige formalismo rígido na sua formulação, não podendo a instituição financeira impor requisitos não previstos expressamente. Eventuais falhas formais não têm o condão de inviabilizar, de plano, o direito ao alongamento, dada a vulnerabilidade do produtor rural frente à instituição financeira, conforme reconhecido pela jurisprudência do STJ.” (TJPA – AI 0816406-62.2024.8.14.0000)

Outras decisões do TJPA reafirmam que o produtor rural possui direito subjetivo ao alongamento da dívida, desde que demonstrados os requisitos legais previstos no MCR 2.6.4, como frustração de safra, elevação de custos ou dificuldades de comercialização. O Tribunal ressalta que o objetivo do instituto é preservar a continuidade da atividade rural e evitar danos irreparáveis à produção, não devendo o formalismo inviabilizar o acesso ao direito — sob pena de contrariar a finalidade social da norma e a própria política agrícola prevista na Lei 4.829/65.

Embora outros tribunais tendam a seguir a linha formalista, há exceções importantes — inclusive no próprio Paraná. Em decisão de 2021, a 7ª Câmara Cível reconheceu que o devedor pode requerer judicialmente o alongamento da dívida mesmo sem pedido administrativo prévio, aplicando a Súmula 298 do STJ e o MCR 2.6.4 (TJPR – 0006454-85.2018.8.16.0117).

Esse entendimento — de que o prévio requerimento administrativo não é requisito indispensável — é o que melhor se harmoniza com a finalidade da norma e com o papel constitucional do crédito rural. Afinal, o MCR 2.6.4 e a Lei 4.829/65 não condicionam o alongamento ao pedido antes do vencimento. Pelo contrário: o MCR 2.6.7 expressamente prevê que a instituição financeira pode renegociar operações em curso irregular (vencidas).

O doutrinador Lutero Pereira explica que “o objetivo primordial do alongamento de dívida rural é proteger o devedor contra os efeitos nefastos do inadimplemento, evitando a instauração de processo de cobrança judicial pelo credor” (Alongamento de Dívida Rural – Teoria e Prática, Ed. Íthala). Essa interpretação reforça o caráter social e protetivo do instituto, que deve ser aplicado com essa finalidade em mente.

Distinção entre dispositivos – MCR 2-6-4 x MCR 3-2-15

A propósito, não se deve confundir os requisitos do MCR 2-6-4 com os do MCR 3-2-15, pois tratam de situações completamente distintas.

O MCR 3-2-15 aplica-se ao produtor que obteve o produto agrícola em níveis satisfatórios e o depositou em armazém. O produto armazenado é dado em garantia do financiamento e ao produtor é concedido prazo para comercializar sua produção em melhores condições de mercado.

Portanto, essa norma não pressupõe comprometimento financeiro do produtor.

Já o MCR 2-6-4 se destina a situações de frustração de safra e morte de rebanho, casos em que o produtor sequer obteve o produto agropecuário, ou grave desequilíbrio econômico da atividade rural, seja em razão do aumento dos custos de produção, seja pela queda no preço de comercialização. Impossível, assim, o depósito de produto em armazém.

Além disso, o MCR 3-2-15 aplica-se exclusivamente às operações de crédito de custeio, enquanto o MCR 2-6-4 abrange todas as modalidades de crédito rural, inclusive investimento e comercialização.

Assim, é evidente que se trata de dispositivos normativos distintos, de modo que os requisitos de um não podem ser transferidos para o outro. Isso significa que a exigência constante do MCR 3-2-15 – de solicitar o alongamento até 15 dias antes do vencimento – não se aplica à prorrogação prevista no MCR 2-6-4, que tem natureza e finalidade próprias e não prevê tal requisito.

Conclusão

O crédito rural não é apenas um contrato bancário: integra uma política pública voltada à preservação da produção e à segurança alimentar do país. Exigir que o pedido de alongamento seja feito antes do vencimento, quando o próprio Manual de Crédito Rural não impõe tal requisito, é criar uma barreira burocrática que fere a lógica do sistema.

Aliás, pode ser este formalismos exacerbado um dos motivos que está levando tantos produtores a procurar medida extremas como a Recuperação Judicial. Como já tratamos no artigo “A culpa da recuperação judicial no agro é do produtor ou da justiça?”, “Infelizmente, ao impor regras que extrapolam a legislação, ou ao interpretar de maneira equivocada os instrumentos jurídicos disponíveis, o Judiciário contribui para agravar a situação dos produtores rurais.”

O exemplo do TJPA deve ser seguido: direito ao alongamento não se perde pelo simples vencimento da operação. A norma existe para proteger o produtor rural em momentos de crise e garantir a continuidade da atividade agrícola, em conformidade com os princípios da boa-fé e da função social do crédito rural.

Julio César Nascimento Bornelli – advogado, sócio-fundador da banca LCB Advogados. Contato:

📞 WhatsApp: (44) 9 9158-2437

📧 E-mail: juliocesar@direitorural.com.br

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