O crédito rural se sustenta em fontes variadas de recursos, valendo destacar, dentre elas, os “recursos obrigatórios”, os “recursos da caderneta de poupança”, os “recursos do Funcafé” e os “recursos próprios livres”, conforme sobressai do MCR 6.1.2. Exceção feita à fonte “recursos próprios livres”, que se enquadra na categoria “recursos não controlados”, as demais estão agrupadas na categoria “recursos controlados”.
A despeito da variedade dessas fontes, ao contratar uma operação de crédito rural, o agente financeiro está ciente de que, na condução da operação, independentemente de se tratar de “recursos controlados” ou de “recursos não controlados”, o financiamento observará em tudo os estritos e estreitos limites dispostos no Manual de Crédito Rural, bem assim o que preconiza a legislação especial que regulamenta o crédito rural, destacadamente a Lei 4829/65, o Dl 167/67 (Arts. 1º a 8º) e a Lei 8171/91.
O Crédito Rural é mútuo especial
O crédito rural tem, em sua gênese, o propósito sublime de fomentar uma das atividades econômicas mais relevantes para o País, tendo em vista seu alcance econômico-social imensurável. (Financiamento Rural, um crédito especial – clique para ler)
Relativamente ao mútuo especial, é forçoso destacar que a operação se dá em dois momentos distintos, a saber, o momento da contratação e o momento da condução da operação.
O primeiro, o momento da contratação, diz respeito ao tempo em que o crédito é formalizado, quando o banco deve atentar para o título de crédito a ser utilizado, para a taxa de juros autorizada para a contratação, para a época estipulada para a liberação dos recursos, para o cronograma de pagamento a ser fixado, tendo como parâmetro as normas do Conselho Monetário Nacional, além, é óbvio, do que dispõe a legislação especial.
O segundo momento da operação de crédito rural diz respeito à sua condução propriamente dita e envolve a liberação dos recursos ao financiado, a fiscalização da operação para constatar a correta aplicação dos recursos, a desclassificação da operação em face de eventual infração contratual praticada pelo mutuário, a eventual prorrogação do mútuo etc., o que também segue as normas do Conselho previstas no Manual de Crédito Rural e os diplomas legais especiais.
Em suma, seja na contratação, seja na condução da operação de crédito rural, o agente financeiro em tudo deve submeter-se à disciplina pertinente, não tendo autonomia de espécie alguma para agir segundo seu interesse e arbítrio.
Como é sabido, a Lei que institucionalizou o crédito rural no País – Lei 4829/65 – é norma em branco que se completa com as normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, Autoridade que detém competência absoluta para estabelecer todas as condições das operações de crédito rural, segundo sobressai do disposto em seu art. 14.
Assim, posto sob a força do dirigismo do Estado, o crédito rural em tudo se submete a disciplina específica, posto se tratar de crédito que se notabiliza como instrumento de Política Agrícola (Art. 4º, XI, da Lei 8171/91), com aplicação e condução jungidas a regras próprias.
De um lado, observa-se que a Política Agrícola se assenta, conforme dispõe o diploma legal especial, dentre outros, nos seguintes pressupostos, a saber, a atividade agrícola deve ser rentável (Art. 3º, III) e o abastecimento alimentar é imprescindível à paz social (Art. 3º, IV). De outro lado, dentre os objetivos específicos do crédito rural, conforme estabelece a Lei que o institucionalizou, merece destaque aquele que se propõe a estimular os investimentos rurais (Art. 3º, I), o que procura possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais (Art. 3º, III) e o que busca incentivar o incremento tecnológico (Art. 3º, IV).
Da conjugação dos pressupostos de política agrícola com os objetivos específicos do crédito, toda proteção estendida ao mutuário rural para desenvolver a atividade agropecuária parece mais do que certeira e acertada.
O alongamento rural, previsto no MCR 2.6.4, inclui o mútuo rural que tenha como fonte “recursos próprios livres”
Quando, pois, o mutuário contrata uma operação de crédito rural, independentemente da fonte dos recursos utilizada pelo mutuante, a operação se submete integralmente ao Manual de Crédito Rural, especialmente quanto ao contido no MCR 2.6.4, cuja norma está presente no Capítulo intitulado “Condições Básicas” do mútuo e tem a ver com a condução do mútuo.
Desta forma, salvo melhor juízo, se a instituição financeira nega ao mutuário rural o direito de renegociar sua dívida nos moldes do MCR 2.6.4 sob alegação de tratar-se de operação lastreada em recursos próprios livres, tal comportamento evidencia-se contrário à filosofia fomentadora da agricultura prevista na Lei Agrícola e na Lei que institucionalizou o crédito rural no País, visto que o mútuo tem com proposta justamente apoiar o produtor rural em todos os momentos, notadamente aqueles que se mostrarem contrários ao seu desenvolvimento econômico.
Conclusão
Em face do exposto, em se tratando de operação de crédito rural, seja qual for a fonte de recursos utilizada pela instituição financeira para conceder o mútuo, é direito do mutuário prorrogar ou alongar seu pagamento quando preencher os requisitos ditados pelo MCR 2.6.4, diga-se de passagem, alteração que não causa nenhum prejuízo ao mutuante, que continuará a receber a devida remuneração sobre o capital mutuado.
Ademais, não se deve perder de vista que proteger a atividade agropecuária para que cumpra seu mister de produzir alimentos, estendendo tal amparo ao mutuário rural em momentos de impossibilidade temporária de cumprir o contrato é, direta ou indiretamente, guardar a paz social, a saúde e a vida do cidadão.
Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio. Fundador da banca na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 99158-2437 (whatsapp) / pb@pbadv.com.br / www.pbadv.com.br
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