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Alongamento de dívida rural com base na Lei Agrícola

Além do MCR 264, o alongamento de dívida rural é protegido por preceitos da Lei Agrícola (Lei 8.171/91).

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Em termos de alongamento de dívida rural, uma é a proteção que o produtor rural tem em decorrência do contido no Manual de Crédito Rural (Alongamento de dívida rural – 3 procedimentos distintos) e outra é a proteção que dispõe em face de preceitos da Lei Agrícola. Para o exercício desse direito, notadamente no procedimento judicial, o autor da ação poderá, se lhe convier, invocar ambas as proteções, já que não se tratam de propostas autoexcludentes.

Para a compreensão do referido alongamento sob invocação da Lei Agrícola, num primeiro momento será feita a análise da Lei que institucionalizou o crédito rural no País, a saber, a Lei 4829/65 na parte que traça os objetivos específicos do mútuo (art. 3º), para, num segundo momento, analisar propriamente a Lei Agrícola – Lei 8.171/91 em seus Art. 2º e 50.

Da conjugação dos objetivos específicos do crédito rural, dos fundamentos de política agrícola e das regras determinantes na contratação do financiamento rural, será possível subtrair fundamentos legais protetivos ao produtor rural em face de perda de safra, de problema de mercado ou de qualquer outro fator que implique em perda de sua capacidade de cumprir o contrato nos moldes inicialmente contratados.

Objetivo específico do crédito rural – fortalecimento econômico do produtor rural – art. 3º, inc. III da Lei 4.829/65

O primeiro fundamento a se observar na questão do alongamento de dívida rural está presente na Lei que institucionalizou o crédito rural no País, conforme contido no inc. III do seu art. 3º [1], onde está posto que um de objetivos específicos do mútuo é “possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais”, notadamente, embora não exclusivamente, “pequenos e médios”

Obviamente, o fortalecimento econômico do produtor via crédito rural não advém direta e objetivamente da tomada dos recursos propriamente dito, mas da aplicação desses recursos na finalidade para a qual foi contratado (custeio/investimento agrícola ou pecuário), de maneira que a atividade produza bem e, então, faça prosperar o mutuário.

Com uma boa produção e consequente comercialização, o fortalecimento econômico do produtor rural, proposto por um dos objetivos específicos do crédito rural, finalmente é alcançado.

Na comercialização da produção agropecuária vale lembrar que o Estatuto da Terra – Lei 4504/64, § 1º[2] – quando trata de preços mínimos, estabelece regras, dentre as quais aquela que dispõe sobre margem de lucro ao produtor rural não inferior a 30% (trinta por cento)

Assim, para cumprir seu desiderato específico de fortalecer economicamente o produtor rural, o financiamento deve estar atrelado a resultados positivos da atividade financiada.

Fundamento de Política Agrícola – rentabilidade da agricultura – art. 2º, inc. III da Lei 8.171/91

O segundo fundamento a ser levado em conta pra proteger o produtor rural em momentos de adversidade econômica é que a política agrícola se volta à agricultura para lhe assegurar rentabilidade, de modo que os que a ela se dediquem tenham ganho compatível com outros setores da economia, o que deflui da leitura do inc. III, art. 2º da Lei Agrícola[3].

Para a configuração de rentabilidade na agricultura, é preciso que o mercado favoreça a comercialização da produção agrícola com preços que extrapolem em muito os custos de produção, pois, caso contrário, a rentabilidade não se efetivará.

Rentabilidade na agricultura, salvo melhor juízo, parece um imperativo legal a proteger o agricultor contra os momentos de crise do setor, notadamente aqueles em que a perda da capacidade de cumprir o contrato se avizinha de forma perigosa.

Reembolso do crédito rural – compatibilidade com a capacidade de pagamento do mutuário – art. 50, inc. V da Lei 8.171/91

O terceiro fundamento a ser observado no direito do produtor rural de alongar sua dívida rural quando sua capacidade de adimplir o mútuo fica comprometida diz respeito à exigência, feita pela Lei ao financiador, de que, ao conceder crédito rural, estabeleça seu cronograma de pagamento em perfeita sintonia com capacidade de pagamento do devedor (art. 50, inc. V da Lei 8.171/91[4]).  A capacidade em questão está ligada à época de comercialização dos bens produzidos pela atividade crediticiamente assistida.

Quando, pois, o legislador quis vincular o reembolso do crédito rural à capacidade de pagamento do mutuário, o que sobressai da assertiva é que, se a capacidade de adimplir não se afigurar, o cronograma de pagamento a ela vinculado deve ser modificado para adequar-se à nova realidade do produtor rural. Isto é, se a capacidade de pagamento é alcançada, o cronograma de pagamento deve ser satisfeito nos moldes inicialmente pactuados, mas, se a capacidade de pagamento não é alcançada por fatores alheios a vontade do mutuário, o cronograma de pagamento deve ser mudado para ajustar-se a nova realidade econômico-financeira do devedor.

Não é que a falta de capacidade de pagamento implique em perdão da dívida ou coisa parecida, mas somente em alteração do calendário de cumprimento para que o crédito rural não trabalhe no sentido contrário a um de seus objetivos específicos, qual seja, o de fortalecer economicamente o produtor rural. Afinal, se o financiamento deve ser pago mesmo quando a incapacidade de pagar é notória, o enfraquecimento econômico do produtor rural será o resultado final da operação.

Com efeito, quando o financiador concede o crédito, já tem plena ciência de que o pagamento do financiamento está atrelado à capacidade de adimplir do mutuário, de modo que não pode alegar ignorância da Lei neste particular.

Assim, se o produtor rural toma recursos do crédito rural e programa seu pagamento diante de certa expectativa de receita, somente quando esta se confirmar é que o cronograma tem força executiva contra ele.

Caso ela não se confirme, para o crédito rural ser um instrumento de promover seu fortalecimento econômico (inc. III do art. 3º da Lei 8171/91), o calendário de pagamento deve se modificar.

Conclusão

Se o crédito rural mira, como de fato faz, o fortalecimento econômico do produtor rural (Lei 4829/65, art. 3º, inc. III), se a agricultura deve assegurar rentabilidade aos que a ela se dedicam, o que a Lei assegura (Lei 8171/91, art. 2º, inc. III.) e, se o cronograma de pagamento do mútuo deve ser fixado de acordo com a capacidade de pagamento do mutuário, capacidade gerada pela própria atividade financiada, o que a norma impõe (Lei 8171/91, art. 50, inc. III), caso ocorra de a atividade entrar em declínio a ponto de retirar do produtor rural a rentabilidade e a capacidade de adimplir o mútuo, para que o financiamento rural não ande na contramão de um de seus objetivos específicos, a saber, o de possibilitar o fortalecimento econômico do produtor rural, deve o financiador promover, a pedido do devedor, a modificação do calendário de pagamento do mútuo para ajustá-lo à nova realidade da atividade.

Tanto o pedido do devedor, quanto a análise feita pelo credor, ambos devem se pautar pelas normas especiais que disciplinam o crédito rural.

Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio. Fundador da banca na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 99158-2437 (whatsapp) / pb@pbadv.com.brwww.pbadv.com.br

[1] Art. 3º São objetivos específicos do crédito rural:

III – possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios;

[2]    Art. 85. A fixação dos preços mínimos, de acordo com a essencialidade dos produtos agropecuários, visando aos mercados interno e externo, deverá ser feita, no mínimo, sessenta dias antes da época do plantio em cada região e reajustados, na época da venda, de acordo com os índices de correção fixados pelo Conselho Nacional de Economia.

  • 1° Para fixação do preço mínimo se tomará por base o custo efetivo da produção, acrescido das despesas de transporte para o mercado mais próximo e da margem de lucro do produtor, que não poderá ser inferior a trinta por cento.

[3] Art. 2° A política fundamenta-se nos seguintes pressupostos:

III – como atividade econômica, a agricultura deve proporcionar, aos que a ela se dediquem, rentabilidade compatível com a de outros setores da economia;

[4] Art. 50. A concessão de crédito rural observará os seguintes preceitos básicos:

V – prazos e épocas de reembolso ajustados à natureza e especificidade das operações rurais, bem como à capacidade de pagamento e às épocas normais de comercialização dos bens produzidos pelas atividades financeiras.

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