Algumas empresas têm realizado contratos futuros de compra e venda de produtos agrícolas (soja, milho, etc) com pagamento somente após a entrega da produção e contendo cláusula penal com multa de 100% do valor do contrato para o caso de não entrega da produção.
Por exemplo, um contrato onde o produtor se obriga a entregar 1.000 sacas de soja pelo preço de R$ 90 a saca, com o pagamento do preço somente após a entrega da produção. Observe que não há desembolso de nenhum valor antecipado, apenas um travamento de preço.
O problema ocorre quando o produtor rural deixa de entregar esse produto na data acordada. Em vários casos, a empresa tem acionado a cláusula penal do contrato e passado a exigir, judicialmente, as mesmas 1.000 sacas, porém sem pagar qualquer valor por elas.
Ocorre, todavia, que uma cláusula penal que prevê multa de 100% do valor do contrato, além de imoral, é completamente ilegal (art. 413 do Código Civil), pois fere de morte a boa-fé e o equilíbrio das relações contratuais, pressupostos que regem as relações comerciais (art. 421 e 422, CC). Tanto é fato que os Tribunais têm determinado a redução da multa quando a cláusula penal é exagerada, como se vê do julgado abaixo:
EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE PRODUTO RURAL. CLÁUSULA PENAL. MULTA. REDUÇÃO EQUITATIVA. RECURSO PROVIDO. A cláusula penal estipulada em 100% do valor devido se mostra desarrazoada, devendo ser equitativamente reduzida a fim de manter a sua natureza compensatória. (TJMT; APL 81368/2013; Rondonópolis; Quinta Câmara Cível; Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha; Julg. 27/11/2013; DJMT 09/12/2013; Pág. 23)
Não se está, com isso, incentivando o descumprimento contratual, ou a não entrega de produção previamente vendida. Contratos são feitos para serem cumpridos. Todavia, há situações que fogem do controle das partes envolvidas, como uma perda acentuada de safra, a qual pode ser uma causa juridicamente válida para a redução da multa contratual, análise esta que deve ser feita em cada caso concreto.
Assim, independentemente das cláusulas que contenham, os contratos de compra e venda de produção agrícola continuam sendo regidos pelos princípios gerais do Código Civil e, dependendo do caso, da atividade agrícola. Por este motivo, cláusula que traga desequilíbrio exagerado para uma das partes é possível, em tese, de ser revista pela via judicial.
Tobias Marini de Salles Luz – advogado na Lutero Pereira & Bornelli – advogados associados. Contato: tobias@direitorural.com.br / www.pbadv.com.br
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