Geraldo Barros, professor titular da USP/Esalq e coordenador do Cepea, estabelece uma ótima definição para o verbete “Agronegócio”. Sua contribuição está na obra “Dicionário de Políticas Públicas” (Unesp, 2ª ed, 2015) organizada por Geraldo di Giovanni e Marco Aurélio Nogueira. Leia aqui a contribuição do Prof. Geraldo, originalmente divulgada no site da Cepea.
AGRONEGÓCIO (pág. 66-69)
Geraldo Sant`Ana de Camargo Barros
Agronegócio é a expressão que resulta da fusão de agricultura ou agropecuária e negócio. Este termo – negócio – vem originalmente do latim negotium (negação do ócio) e tem o significado de ocupação ou trabalho visando a atingir determinados fins para satisfação de desejos ou necessidades de quem os executa ou de outrem; neste último caso, mediante alguma recompensa aos executores. Considerando a origem do termo, agronegócio relaciona-se a atividades ou trabalhos relacionados à agricultura. O termo negócio pode ser tomado num sentido amplo de geração de valor através do uso do trabalho e do capital; no caso do agronegócio, englobam-se a agricultura e demais segmentos produtivos a ela relacionados. Ao longo dos séculos, muitas atividades, antes realizadas no âmbito da agricultura ou do meio rural, foram se afastando espacial e temporalmente e ganharam expressão econômica própria, sem perder os vínculos técnicos e econômicos de origem. O conceito de agronegócio presta-se para resgatar essa interdependência aparentemente perdida, quando, na verdade, negócios agrícolas existem há milênios.
O surgimento da agricultura significa maior segurança ou previsibilidade de abastecimento. Embora mantivesse padrão itinerante, tendeu a se dar em locais específicos, favorecendo a formação de núcleos habitacionais e populacionais e de estruturas sociais bastante influenciadas pela posse da terra, base da atividade econômica.
Na Inglaterra, berço do capitalismo, a agricultura se desenvolve com demarcação (cercamento legal) de terras – até então comunitárias e dispersas – e emprego de técnicas e instrumentos de cultivo. Com a progressiva consolidação do capitalismo, foram deixados de lado a prática do abandono de terras exauridas para descanso prolongado e o arroteamento de novas áreas que, no século 18, serão trocados pela aração profunda com as primeiras máquinas. Passa-se, então, a empregar a rotação de culturas, intensifica-se o cultivo, corrigindo-se e fertilizando o solo. Na pecuária, ganhos são obtidos pela melhoria de rebanhos ovinos e bovinos através de cruzamentos controlados mais a produção da forragem que sustentava a criação no inverno evitando o abate prematuro. O Estado, atendendo a demandas de fazendeiros de poder econômico, providencia estradas, canais e drena os pântanos.
Até meados do século 19, a atividade econômica organiza-se em estrutura essencialmente familiar. Grandes empresas começam a surgir a partir de então, mormente nos Estados Unidos, para processamento de carnes e cereais. Dessa época são também o processo de pasteurização e o engarrafamento e enlatamento a vácuo. As primeiras fábricas de fertilizantes a partir de esterco surgiram também no início do século 19. Fábricas de superfosfato começaram a se multiplicar a partir de 1850 na Inglaterra. Na Alemanha, começa a produção de fertilizante potássico a partir da cinza e do salitre. Sulfato e fosfato de amônio aparecem após a Primeira Guerra Mundial. O uso de inseticida originário do tabaco data do século 17 e do piretro a partir do crisântemo no século 19. Somente a partir dos anos 1940 passaram a ser produzidos pesticidas sintéticos em larga escala. Dos arados de ferro no século 18 aos tratores a vapor no século 19, a mecanização da agropecuária avança inexoravelmente, poupando a força de trabalho humana e permitindo a exploração de áreas cada vez mais extensas de terra.
Bolsas rudimentares para comércio de produtos agropecuários existem desde os séculos 12 e 13 na Europa. Entretanto, à medida que – graças aos avanços no armazenamento e transporte – se expande o comércio de produtos agropecuários padronizados – conhecidos como commodities – sua organização, na forma das atuais bolsas, começa a se desenvolver ao longo do século 18 em Nova Iorque e Chicago. Produtores podem operar com maior proteção contra oscilações desfavoráveis de preço, o que era proporcionado pelas operações de hedge, mecanismos que visam a proteger as operações financeiras em situações desse tipo.
Ao longo do século 20, grandes transformações ocorrem no cenário mundial, com larga aplicação de tecnologias na agropecuária, baseadas nos avanços principalmente da química e da biologia. A indústria e serviços a montante, que fornecem insumos como sementes, maquinaria e agroquímicos, estruturam-se em grandes empresas. De outro lado, o crescimento da renda e as mudanças demográficas geram demanda por produtos processados e de disponibilidade contínua em regiões cada vez mais amplas: as trocas se dão em escala mundial. Com isso cresce o papel da agroindústria processadora, e dos segmentos encarregados pela logística (armazenagem e transporte). O varejo se adapta às mudanças, adotando o auto-serviço e demais procedimentos necessários para comércio de perecíveis. A economia de escala que todas essas atividades proporcionam favorece o aparecimento de grandes empresas que trazem concentração aos mercados.
Os segmentos tanto a montante quanto a jusante se robustecem, mantendo evidentemente grande interdependência com o segmento primário. Essa interdependência levou Davis e Goldeberg (1957) a empregarem o conceito de agribusiness sector (setor de agronegócio).
O agronegócio é tido como um feixe de cadeias produtivas, definidas como uma sequência coordenada que, a partir de insumos, chega à produção e à distribuição de derivados. O agronegócio remete ainda ao conceito de complexo agroindustrial, com o que se enfatiza o caráter evolutivo da produção primária simples para o intrincado conjunto de segmentos interdependentes.
Por suas raízes históricas, agronegócio não implica distinção entre categorias – por tamanho, tecnologia, por exemplo – dos participantes das cadeias produtivas. No Brasil, para formulação de políticas agrícolas, estabelece-se em 1995 o conceito legal de agricultura familiar, em geral identificada como pequena produção, que contaria com até dois empregados assalariados permanentes e eventualmente com temporários. Uma vez que esse produtor configura-se como um alvo mais difícil de ser alcançado pelos instrumentos gerais de política (como crédito rural ou preços mínimos), o conceito de agricultura familiar é operacionalmente útil. Entretanto, os agricultores familiares fazem logicamente parte do agronegócio, na medida em que integram as mesmas cadeias produtivas que outras categorias de produtores rurais.
Uma característica do agronegócio tem sido a concentração dos mercados tanto no que se refere a insumos como ao processamento de matéria-prima e à distribuição mediante fusões e aquisições. Em 2004, quatro companhias multinacionais respondiam por 60% das vendas de agroquímicos e 33% das sementes. Essas empresas ainda agregam o processamento entre suas atividades. Uma consequência importante é o produtor rural tornar-se elo cada vez mais fraco nas cadeias produtivas. No agronegócio do café, por exemplo, estima-se a participação de cerca de 25 milhões de agricultores no mundo, enquanto 40% do processamento encontram-se nas mãos de quatro companhias. No varejo, uma autêntica “revolução dos supermercados” fez com que essa modalidade respondesse por 60% a 70 % no Brasil e na Argentina, por exemplo.
A participação do agronegócio no PIB dos países é bem mais significativa do que a agropecuária isoladamente. Em 2000, uma comparação internacional, com metodologia própria, indicou que no Brasil a agropecuária correspondia a 8% do PIB enquanto o agronegócio chegava a 38%. Nos EUA, as cifras eram 1% e 14%; na Argentina 11% e 40%. Já em vários países africanos, atingiam 56% e 86% (Etiópia) e 44% e 63% (Gana). Dados detalhados do Brasil apontam que, ao longo da primeira década do século 21, o agronegócio representa cerca de 26% do PIB nacional. Dentro do agronegócio, a agropecuária fica com 26%, a agroindústria processadora, com 30%, a distribuição, com 32% e os insumos, com 12%.
REFERÊNCIAS
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Araujo, N.B; Wedekin, I; Pinazza, L. A 1990. Complexo Agroindustrial – o “Agribusiness Brasileiro”, Agroceres, São Paulo.
CEPEA – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada/Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo. 2013. (http://www.cepea.esalq.usp.br/pib).
Curwen, E.C. 1953. Prehistoric farming of Europe and the Near East. Henry Schuman, Inc.
Davis, J.H.; Goldberg, R. A .1957. A Concept of Agribusiness. Boston: Harvard University.
Guilhoto, J. J. M.; Furtoso, M. C.; Barros, G. S. C. 2000. O Agronegócio na Economia Brasileira: 1994 a 1999. Notas Metodológicas. Piracicaba: CEPEA/CNA, (http://www.cepea.esalq.usp.br/pib).
Instituto Antônio Houaiss. 2001. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Objetiva. 1ª edição. Rio de Janeiro – RJ.
Rickets, C. 1999. Introduction to Agribusiness. Barnes & Noble.
Overton, M. 2009. Agricultural Revolution in England 1500 – 1850 BBC – History in Depth(http://www.bbc.co.uk/history/british/empire_seapower/agricultural_revolution_01.shtml)
Silva, C. A. et al (ed.) 2009 Agro-industries for Development. FAO, UNIDO, IFAD. Rome, Italy.
Smith, B.D. 1995. The Emergence of Agriculture. W.H. Freeman and Co., N.Y.
Toynbee, A. 1957. The Industrial Revolution. Boston: Beacon Press.
Fonte: Cepea – Esalq
https://www.cepea.esalq.usp.br/
https://www.fundap.sp.gov.br/dicionario-de-politicas-publicas/
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