No âmbito das diversas ações de revisão da indenização de seguro rural propostas contra as seguradoras no estado do Paraná, em razão da forte estiagem da safra 2021/2022, observamos uma verdadeira tentativa de “transferência de culpa” das seguradoras para os corretores de seguro.
Neste sentido, observamos diversos argumentos do tipo “corretor deveria ter perguntado qual era o custo”, ou que o corretor “deveria ter informado todas as cláusulas excludentes aos segurados”, ou mesmo que teria ocorrido uma má-orientação dos corretores aos seus clientes. O que se busca é levar o juiz a crer que teria sido dos corretores de seguro a culpa pelas perdas de produtividade ocorridas e que a seguradora não teria culpa pelas abusivas e indevidas negativas de indenização, uma vez que o erro teria sido causado pelo intermediário. Em alguns casos absurdos, as seguradoras até mesmo pediram a “denunciação da lide”, isto é, o chamamento do corretor de seguros ao processo, tentando imputar-lhes uma corresponsabilidade pelo indeferimento.
O intermediário da relação pode ser responsabilizado?
O fato é que as seguradoras estão tentando imputar aos corretores uma obrigação que a lei não lhes atribui. É uma clara tentativa de terceirização da culpa, atribuindo aos corretores a responsabilidade pelos erros das seguradoras. E pior, é possível que as seguradoras estejam buscando, na verdade, apenas fazer uma “pressão” comercial em cima do intermediário das relações, para que eles se sintam amedrontados ou receosos em eventual produção de provas processuais.
Em contrapartida, o entendimento dos Tribunais é pacífico que, nas relações entre segurado – seguradora, o papel do corretor de seguros é de mero intermediador, não tendo, em regra, responsabilidade civil no cumprimento do contrato, seja por uma ou por outra parte. Dessa forma, por ser regra geral do direito, a eventual culpa do corretor no descumprimento contratual, tanto de um lado, quanto do outro, deverá ser PROVADA de forma inequívoca.
Diz o brocardo jurídico: “a boa-fé se presume, enquanto a má-fé deve ser provada”. É exatamente o caso da responsabilidade dos corretores.
Entendimento dos tribunais
Neste sentido, o STJ já entendeu que a responsabilidade da corretora ocorre apenas em situações excepcionais, como nos casos de mau cumprimento das obrigações contratuais ou de criação nos segurados da legítima expectativa de direito.[1]
Mais recentemente, o Tribunal de Justiça do Paraná também entendeu que, para a responsabilização da corretora, é necessário o apontamento de forma objetiva de sua culpa. Há vários precedentes neste sentido, dos quais podemos citar o AI n. 0033221-84.2022.8.16.0000, AI n. 0034778-09.2022.8.16.0000 e AI n. 0018276-58.2023.8.16.0000.
Também se pode afirmar que não é papel do corretor questionar ao segurado qual seria o custo de produção estimado da lavoura quando as orientações de comercialização daquele produto, transmitidas pela seguradora, não indicavam essa necessidade.
Neste sentido, inclusive, há decisões dizendo que “clara é a responsabilidade da seguradora pelo pagamento da indenização do sinistro, cujos empregados instruíram incorretamente o corretor de seguros, o que caracteriza sua culpa in eligendo, e culpa in vigilando, nos termos da Súmula nº 341, do Supremo Tribunal Federal: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto“. (TJPR – 8ª Câmara Cível – AC – Londrina – Rel.: DESEMBARGADOR PAULO EDISON DE MACEDO PACHECO – Unânime – J. 01.06.2007).
É exatamente o caso que aconteceu no Paraná na safra 2021/2022. Certa seguradora enviou um e-mail da campanha do seguro com os pontos que deveriam ser observados para a comercialização, mas nada mencionou aos corretores sobre a necessidade de perguntar ao segurado qual seria o seu custo de produção, tampouco instruiu seus corretores a fazer qualquer referência ou pergunta nesse sentido. No mínimo, há uma incorreta instrução da seguradora.
Também não incumbe ao corretor de seguros o dever de informar, de forma clara e ostensiva, todas as diversas cláusulas contratuais e as infinidades de riscos não cobertos previstas em cada apólice, quando a própria apólice não possui essa clareza ou facilidade de informação, contendo cláusulas abertas e evasivas sobre diversos itens. Neste caso, vale a regra geral de que “as cláusulas contratuais que impliquem em limitações de direito do consumidor devem ser redigidas de forma ostensiva, clara e facilmente compreensível.” (TJPR – APCIV: 16705958, Relator: COIMBRA DE MOURA, NONA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/02/2018).
Isso significa dizer que, para uma cláusula limitativa ter validade, o segurado deverá ler a apólice e entender de forma clara e compreensível o que está ou não coberto pelo seguro.
Por fim, como o Tribunal do Paraná também tem decidido reiteradamente, não é papel da corretora integrar o polo passivo da demanda de responsabilização civil da seguradora, justamente porque as corretoras não possuem responsabilidade pela regulação abusiva, ou mesmo pela má estratégia comercial das seguradoras.
Tobias Marini de Salles Luz – advogado na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 9 9158-2437 (whatsapp) / tobias@direitorural.com.br / www.pbadv.com.br
[1] (AgInt no AREsp 1.333.196/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 7/12/2018).
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