Pesquisar

A liberdade absoluta de contratar e a liberdade vigiada de estipular

Se a liberdade de contratar é plena, o mesmo não pode ser dito em relação à liberdade de estipular, ou liberdade vigiada de estipular.

Conteúdo do artigo

Está consagrado no Código Civil o princípio que assegura a liberdade de contratar (Art. 421). Por liberdade de contratar deve-se entender, dentre outras coisas, por um lado a falta absoluta de coação que possa ser exercida sobre qualquer titular de direito para pactuar e, por outro, a liberdade de formular contratos típicos ou atípicos.

Noutras palavras, a liberdade de contratar diz respeito à soberania que engloba a vontade e o interesse de cada titular de direito, pessoa física ou jurídica, de decidir por firmar ou não uma convenção que lhe imponha obrigações.

Mas se a liberdade de contratar é plena, o mesmo não pode ser dito em relação à liberdade de estipular que, como se verá, pode ser categorizada como liberdade vigiada de estipular.

A liberdade de estipular vigiada existe para trazer maior equilíbrio entre os contratantes, posto que se fosse permitida a estipulação sem qualquer vigilância sobre seus termos, a supremacia do mais forte se imporia de tal forma sobre o mais fraco, que o contrato se tornaria um instrumento eficaz de domínio e escravização, quebrando a própria ordem social.

Nesta toada, vale destacar alguns dispositivos da Lei Civil que tratam do tema, a saber, os artigos 421-A, 422, 423 e 424.

1º – Do art. 421-A se observa que nos contratos civis e comerciais se presume que as estipulações são paritárias e simétricas, mas que a presunção pode ser afastada quando a presença de elementos concretos justificarem tal interferência no pacto.

O afastamento da referida presunção tem ares de liberdade vigiada de estipular, pois quis o legislador exercer certo controle na convenção para evitar que disparidade e a assimetria tornassem leonina a convenção.

2º – No tocante ao art. 422, dali sobressai que o dispositivo estabelece limites na hora de estipular, visto que em sua redação objetiva obriga os contratantes a guardar os princípios de probidade e boa-fé ao tempo da conclusão ou da execução do contrato.

Ao criar tal obrigação a Lei, salvo melhor juízo, demonstra que a liberdade de estipular está sob vigilância, e que a menos que a estipulação seja feita nos limites do ponderável, a parte que foi além do que estava obrigada a respeitar deve ser trazida de volta ao campo do estritamente permitido.

3º – No que respeita ao art. 423 se nota que a estipulação excessiva exige que a interpretação dos seus termos seja feita de maneira mais benéfica ou favorável ao aderente, demonstrando com isto que a interpretação é uma maneira que o legislador criou para vigiar a estipulação e, se o caso, corrigi-la quando eivada do vício do exagero contra a parte adversa.

4º – Por derradeiro, e sob o norte da tal liberdade vigiada de estipular, o art. 424 ainda é mais severo ao estabelecer sanção de nulidade da cláusula que estipule renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Tornar nula uma convenção que infringe o dispositivo em referência, é mais uma prova de que sob o contrato vige o princípio da liberdade vigiada de estipular, pois se assim não fosse a convenção manter-se-ia aplicável.

Os mencionados dispositivos legais que fazem parte das disposições gerais aplicáveis aos contratos em geral (Capítulo I, do Título IV, do Livro I da Parte Especial do Código Civil), também se aplicam aos contratos atípicos nos termos do art. 425 do mesmo Codex.

Portanto, a liberdade vigiada de estipular aplica-se tanto aos contratos típicos, quanto aos contratos atípicos, pois é justamente na submissão da vontade das partes aos seus termos que o equilíbrio da convenção se estabelece para o bem de todos.

Assim, quando um contrato atípico, tal como é o caso dos contratos de fixação de preço, for trazido a exame, é mister indagar até onde a liberdade vigiada de estipular foi obedecida pelo comprador para, se o caso, em havendo transgressão ao princípio, fazer-se a devida correção.

Como se tratam de contratos de adesão, nos quais a soberana vontade de quem os elabora reina de forma absoluta sobre o outro, o fato das estipulações se mostrarem propensas a beneficiar só e exageradamente ao credor/comprador, tem justificada a intervenção judicial para afastar a disparidade e assimetria detectadas.

Especificamente quanto as cláusulas de sanção previstas nesses contratos, é de se notar que ao redigi-las o comprador não pautou sua conduta pelo princípio da liberdade vigiada de estipular, pois a redação daquela que o beneficia é extremamente mais gravosa, arbitrária e predadora do que aquela que beneficia o vendedor.

Afinal, em relação à cláusula que penaliza o comprador no caso de atrasar o pagamento do valor ao vendedor, esta consiste somente na aplicação de juros de ao índice de 1% a.m. (um por cento mês) e nada mais.

Já a cláusula que fixa sanção ao vendedor por eventual atraso ou mesmo cumprimento parcial ou total da entrega do produto, além de juros moratórios de 1% a.m., ainda se tem a aplicação de multa de 40%, mais perdas e danos no valor correspondente ao preço do produto negociado.

Ora, como ambas as cláusulas têm a ver com o descumprimento do contrato, a liberdade vigiada de estipular exige que sejam elaboradas dentro do princípio da paridade e simetria (art. 421-A CCvil), e isto como padrão mínimo de justiça.

Com efeito, a liberdade vigiada de estipular existe para fazer com que os contratos nasçam de forma justa, sem a necessidade de irem à Justiça para terem corrigidas suas assimetrias, disparidades e arbitrariedades. Todavia, se foram gerados de forma injusta, é mister que a Justiça faça a correção necessária para que os mesmos sirvam como instrumento de justiça social.

Quanto ao que dispõe o inciso III, do art. 421-A, onde está preconizado que “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”, isto não significa que a revisão não ocorrerá ou, se ocorrer, que seja estreita ou mesmo estreitíssima.

A Lei não estabelece qualquer parâmetro de limitação na revisão, porquanto a revisão será tão ampla, ou tão estreita, quanto ampla ou estreita for a disparidade e a assimetria constatadas.

Se a revisão for buscada pelo vendedor, esta consistirá em reduzir a sanção maior que pesa sobre si, fixando-as aos limites da sanção menor que pesa sobre o comprador, para que cláusulas de mesma natureza sejam equilibradas ou, como quer a Lei, sejam paritárias e simétricas.

Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio. Fundador da banca na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 99158-2437 (whatsapp) / pb@pbadv.com.brwww.pbadv.com.br

Deixe um comentário

0 Comentários
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários

Acompanhe o Direito Rural

Receba nossos artigos e novidades por mensagem!

Acompanhe também por e-mail

Quer encontrar outro artigo?

Clique no botão abaixo e busque o artigo que desejar

Inscreva-se para receber nossos e-mails

Receba novos artigos e novidades também pelo WhatsApp e Telegram