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Pequena propriedade rural – proteção constitucional e processual

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Examinando e confrontando o inciso XXVI do art. 5º da Constituição Federal[1], com o inciso VIII do art. 833 do Código de Processo Civil[2] nota-se que ambos tratam da proteção dispensada à pequena propriedade rural em face de débitos pelos quais responda o proprietário.

Assim, quando pretender defender a pequena propriedade rural face a eventual ato de constrição buscado pelo credor, o proprietário rural deve buscar na Constituição Federal e no Código de Processo Civil a fundamentação de sua resistência, considerando que sobressai do comando inferior abrangência maior do que aquele constante do comando superior.

Para demonstração do alegado, é mister iniciar pelo confronto dos dispositivos destacados, focando primeiramente os pontos que os aproximam, para depois destacar aquele que os afasta e, então, concluir pela aplicação.

1º – O primeiro ponto que une o disposto no inciso XXVI do art. 5º da Constituição Federal e o com contido no inciso VIII, do art. 833 do Código de Processo Civil, é que a tônica estruturante dos normativos é a comunhão em levantar óbices à realização da penhora em relação à pequena propriedade rural.

No âmbito da Constituição Federal está dito que a pequena propriedade rural “não será objeto de penhora”, enquanto no campo do Código de Processo Civil está posto que “são impenhoráveis”, dentre outros, “a pequena propriedade rural”.

A impenhorabilidade, portanto, da pequena propriedade rural é o ponto central.

2º – O segundo ponto de semelhança entre os dispositivos constitucional e o processual, é que tanto na Lei superior, quanto na Lei inferior, o bem tutelado é a propriedade que pode ser caracterizada como de natureza rural.

A propriedade rural está, pois, sob tutela especial.

3º – O terceiro ponto de proximidade dos comandos legais, diz respeito ao tamanho ou extensão territorial do imóvel rural protegido, pois na Constituição e no Código é a pequena propriedade que está blindada contra possíveis ataques processuais do credor do proprietário.

A propriedade rural que, nos termos da lei, se apresente como pequena, não é alcançável pela penhora.

4º – Finalmente, o quarto ponto que torna próximo o que decorre da Constituição com o que deflui do Código Processo Civil, relativamente à proteção da pequena propriedade rural, é que esta deve ser “trabalhada pela família”.

A pequena propriedade rural trabalhada pela família goza, pois, do privilégio da impenhorabilidade.

Em suma, sob a ótica da Constituição e do Código de Processo Civil, a pequena propriedade rural, trabalhada pela família, não pode sofrer penhora por débitos de responsabilidade do proprietário.

Postos em evidência os pontos comuns, semelhantes e convergentes que unem os dois comandos legais, faz-se oportuno trazer à luz a dessemelhança que distancia um do outro.

Na dessemelhança entre o que dispõe a Lei Constitucional e a Lei Processual, salvo melhor juízo, esta parece proteger muito mais a pequena propriedade rural do que o faz aquela, no que não deve ser considerada como de menor relevância.

Com efeito, relativamente a sua impenhorabilidade, a Constituição estende proteção somente contra “débitos decorrentes de sua atividade produtiva”, ou seja, débitos que se formaram por força de atividades produtivas desenvolvidas no contexto da propriedade, o que pressupõe, a título de mera argumentação, que débitos que têm outra origem, a saber, atividades do proprietário fora do contexto da propriedade, estes poderiam levar o bem a sofrer a constrição processual.

Entrementes, quando se examina a impenhorabilidade da pequena propriedade rural sob as luzes do Código de Processo Civil, nota-se que a proteção é bem maior, pois não existe a menor chance de uma exegese que possa favorecer o interesse do credor no sentido de penhorá-la para satisfação de seus haveres, ainda que gerados em razão de atividade desenvolvida fora de seus limites.

O favorecimento da norma processual no sentido de proteger a pequena propriedade rural em face de débitos do seu proprietário dá indicativos de ser maior do que o presente na norma constitucional, já que no texto legal não há espaço para tratar sobre a origem dos débitos, como de resto acontece no texto constitucional.

O texto em destaque simplesmente assegura que a pequena propriedade rural, assim defina em lei, desde que trabalhada pela família, é impenhorável, silenciando-se daí por diante quanto a natureza ou origem do débito.

Noutras palavras, sob o foco da Constituição Federal a pequena propriedade rural só não responde por débitos que decorram da atividade produtiva nela desenvolvida, ao passo que pelo viés do Código de Processo Civil esta não responde por qualquer débito imputável ao seu proprietário.

Se, portanto, o alcance da norma processual é maior do que o da norma constitucional, quando se tem em conta a salvaguarda da pequena propriedade rural, aquela deve ser tratada com prioridade e primazia o que, nem de perto, significa tratamento com exclusividade na fundamentação da defesa.

A despeito do entendimento de que ao mandamento constitucional deve se emprestar a máxima efetividade o que, em sendo o caso, dá a norma suficiente para, solitariamente, salvaguardar a pequena propriedade rural, é de boa prudência que se desenvolva argumentação sob dupla fundamentação.


[1] XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;

[2] Art. 833. São impenhoráveis:

VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio em Maringá (PR). Contato: www.pbadv.com.br / pb@pbadv.com.br

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