A MP do Agro (MP 897/2019) foi convertida na Lei do Agro (Lei 13.986/2020), ocasião em que a redação de alguns dispositivos e sua numeração sofreram alterações. Apesar das mudanças, os artigos publicados no Direito Rural sobre a MP do Agro permanecem disponíveis para consulta, pois se mantém atuais quanto às explicações e perigos que cada novo instituto traz.
Para acessar o conteúdo mais atualizado sobre a nova Lei do agro, acesse Lei do Agro (Lei 13.986/2020).
O patrimônio de afetação, conforme instituído pela MP 879/2019, pode trazer implicações sérias para os imóveis explorados sob o regime de arrendamento rural, tendo em conta o que o Estatuto da Terra dispõe sobre o direito do arrendatário no que diz respeito à alienação do imóvel arrendado.
Do imóvel em regime de afetação
A MP, em seu Art. 6º, assegura ao proprietário de imóvel rural, pessoa natural ou jurídica, o poder de submeter seu imóvel, ou fração dele, ao regime de afetação.
A afetação, parcial ou total, tem como objetivo destinar o bem a garantir operações de crédito contratadas junto a instituição financeira, conforme o parágrafo único, do mesmo Art. 6º.
Mesmo sob o regime de afetação, o imóvel pode ser utilizado pelo proprietário enquanto não liquidada a obrigação garantida (Art. 21), mas a venda ou doação não pode ser praticada, pois todo e qualquer ato translativo de propriedade por iniciativa do proprietário está terminantemente vedado pelo parágrafo 2º do Art. 9º.
Com efeito, não pode o proprietário que afetou seu imóvel vender o bem para outrem, pois, de certa forma, já o alienou, ainda que condicionalmente, ao credor.
Aliás, a Cédula Imobiliária Rural (CIR), título criado pela MP para constituição da obrigação objeto do patrimônio de afetação, dispõe no inciso II do seu Art. 14 que, ao tempo de emissão da Cédula, o emitente se obriga a entregar ao credor, caso não cumpra a obrigação tempestivamente, o imóvel objeto do patrimônio de afetação.
A entrega em questão se consubstancia na transferência da titularidade sobre o bem.
Tanto é assim que um dos requisitos essenciais a constar da Cédula é, justamente, cláusula que o emitente autoriza o oficial do registro de imóveis a processar, em favor do credor, o registro de transmissão da propriedade do imóvel.
Assim, como o patrimônio de afetação, que atinge total ou parcialmente o imóvel rural, implica numa “alienação” condicionada ao credor da Cédula Imobiliária Rural (CIR), caso não haja o adimplemento tempestivo da obrigação, o credor, fatalmente, irá exercer o direito de transferir para si o bem objeto da gravação.
Direito de preferência vs transferência do imóvel afetado
Justamente aí é que poderá acontecer, e fatalmente acontecerá, o conflito de interesses entre o credor e o arrendatário da área.
Afinal, pelo estabelecido no Estatuto da Terra (Art. 92 § 3º), o arrendatário goza do direito de preferência na aquisição do bem, notadamente quando a alienação se der na constância do arrendamento.
Como ninguém concorre com o arrendatário neste sentido, não é de duvidar que, ao tomar conhecimento da transferência do imóvel, ou de parte dele, a outrem, no caso, o credor da Cédula, por ter sido preterido na aquisição do imóvel, o arrendatário obviamente manifestará em Juízo o exercício do seu direito de preferência.
A questão tem relativa complexidade jurídica em face do próprio mecanismo de afetação e isto vai exigir estudos aprofundados para estabelecer a melhor aplicação da Lei.
Se tudo se encaminhar conforme está delineado, o número de demandas sobre o tema pode ser significativo, de modo que proprietário rural, arrendatário rural e possível credor de Cédula Imobiliária Rural devem ficar atentos às consequências do ato.
Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio. Fundador da banca na Lutero Pereira & Bornelli – advogados. Contato: (44) 99158-2437 (whatsapp) / pb@pbadv.com.br / www.pbadv.com.br
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