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Parafraseando Bolsonaro – Críticas à MP 897/19

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A MP do Agro (MP 897/2019) foi convertida na Lei do Agro (Lei 13.986/2020), ocasião em que a redação de alguns dispositivos e sua numeração sofreram alterações. Apesar das mudanças, os artigos publicados no Direito Rural sobre a MP do Agro permanecem disponíveis para consulta, pois se mantém atuais quanto às explicações e perigos que cada novo instituto traz.

Para acessar o conteúdo mais atualizado sobre a nova Lei do agro, acesse Lei do Agro (Lei 13.986/2020).

Quem acompanhou os desdobramentos dos ataques do governo francês contra a proteção da Amazônia ouviu uma frase muito bem colocada pelo Presidente Bolsonaro, ao dizer que o interesse estrangeiro na Amazônia não seria a proteção da natureza, mas sim as riquezas que aquela região possui.

Parafraseando o presidente, eleito com forte apoio do setor PRODUTIVO rural, a MP 897 de 1º de outubro de 2019, a primeira de seu governo a tratar de temas do campo, embora a propaganda oficial diga o contrário, não tem como foco a proteção ou a segurança do empreendimento rural, mas apenas, e tão somente, o interesse em suas riquezas (terras).

Eis algumas inovações e alterações que a Medida Provisória propõe, as quais serão analisadas sob a ótica do PRODUTOR RURAL.

Fundo de Aval Fraterno

A MP 897/2019 já se inicia com a criação do chamado “Fundo de Aval Fraterno”, o FAF. De difícil compreensão e com vários pontos obscuros (leia aqui), a proposta do governo é a criação de um mecanismo onde produtores possam avalizar uns aos outros, no chamado “aval cruzado”.

Quem já passou pelas agruras de um aval conhece bem suas dificuldades. Afinal, o aval nada mais é do que trazer o problema de outro para si, já que o avalista fica responsável pelo cumprimento da obrigação de outrem. Sinceramente, não dá para entender qual é a lógica de dizer que isso seria um benefício ao produtor rural, principalmente quando se lê que o FAF é uma garantia subsidiária, ou seja, uma garantia a mais, além das outras que constarão no título.

Embora o governo diga que o FAF tem como objetivo destravar a linha do BNDES Pro-CDD Agro (leia aqui), a MP não deixa claro que o FAF tem esse objetivo. Além do mais, a dificuldade maior para a adesão à linha do BNDES tem sido causada por alguns requisitos que a Circular impõe e a resistência dos Bancos em permanecer como garantidores das operações.

Para ler mais sobre o Fundo de Aval Fraterno, clique aqui.

Patrimônio de Afetação

A nova Medida Provisória também cria a figura do patrimônio de afetação. Através deste instituto, o produtor rural poderá separar um imóvel, ou parte dele, para figurar como um bem de garantia na também nova “Cédula Imobiliária Rural”.

Esse bem imóvel, separado pelo produtor, terá algumas características: não entrará em um possível pedido de recuperação judicial, não poderá servir de garantia para mais que uma operação (diferente da hipoteca), e não poderá ser vendido pelo proprietário.

Além disso, caso queira afetar apenas parte de seu imóvel, o que parece ser o único ponto positivo da norma, terá que fazer via identificação com croqui e mapa geodésico, direto na matrícula do imóvel, o que irá gerar mais custos e burocracia.

Todavia, a MP perdeu oportunidade de corrigir uma grave distorção existente: as avaliações de instituições financeiras sempre são muito abaixo do real, o que leva a necessidade de sempre oferecer maiores garantias (leia aqui).

Por fim, o grande problema do patrimônio de afetação é a operação que ele irá garantir, a qual deverá ser feita através de um novo título de crédito, a Cédula Imobiliária Rural (CIR).

Entenda o Patrimônio de Afetação e seus riscos aqui.

Cédula Imobiliária Rural

A MP 897 criou um novo título, a Cédula Imobiliária Rural (CIR), que é de uma toxicidade extrema, e o qual, mantido como está, deve ser totalmente repudiado pelo setor produtivo rural, dado os perigos que impõe.

Por esse nova Cédula, a instituição financeira emprestará dinheiro ao produtor e pegará, como garantia, um bem gravado como “patrimônio de afetação”.

Feito esse gravame, o produtor rural não poderá oferecer esse mesmo imóvel em outra garantia, não poderá vender o imóvel para terceiro e também não poderá colocar o imóvel ou a cédula em recuperação judicial. E, caso tenha perda de safra ou situações de dificuldade de comercialização, poderá perder seu imóvel em pouco tempo.

Isto porque a lei estabeleceu, no art. 24, que se aplica o procedimento da alienação fiduciária de imóvel sobre a Cédula Imobiliária Rural, ou seja, vencida a dívida e não paga, o credor não precisará ir em juízo para cobrar sua dívida, bastará notificar o devedor e, em caso de não pagamento em 15 dias, o bem afetado automaticamente passará à sua propriedade.

Trocando em miúdos, a interpretação isolada da Cédula Imobiliária Rural poderá levar ao entendimento de que, em caso de não pagamento, o bem passará à propriedade do Credor, mediante uma simples notificação, ainda que o produtor rural não tenha pago por situações adversas, como frustração de safra, descasamento de custos de produção e venda ou dificuldades de comercialização (uma greve dos caminhoneiros, por exemplo, que travou todas negociações no país).

Ainda que a crítica venha dizer que a cédula dará maior segurança jurídica ao sistema financeiro, o que levará a um aumento de crédito, ou o argumento rasteiro de que “pegou, tem que pagar”, quem conhece minimamente o campo sabe que, muitas vezes, o atraso nem sempre é decorrência de má-fé ou malandragem, mas sim de uma situação adversa no momento da colheita, como uma perda inesperada ou simplesmente da falta de compradores do produto naquele momento.

Tendo em vista que avaliações dos imóveis rurais pelas instituições financeiras sempre são bem menores que as reais, será comum a perda de uma propriedade por valor bem menor do que ela realmente vale.

Por isso, uma cédula que impõe como penalidade pelo inadimplemento a perda imediata da propriedade rural não parece ser nada boa para o setor produtivo. Já para o setor financeiro é ótima.

Abordamos com mais detalhes a Cédula Imobiliária Rural neste artigo.

Variação Cambial em CPR

Outra mudança significativa trazida pela MP 897/19 é a possibilidade de cláusula de variação cambial em CPR-f, o que permitirá, de um lado, maior fluxo de investimento estrangeiro, porém, de outro lado, maior risco ao produtor rural, que terá sua dívida atrelada ao dólar (leia aqui).

Além disso, a MP também trouxe alguns dispositivos que deixam a impressão da possibilidade de alienação fiduciária de bem imóvel rural em CPR, o que é um perigo pelos mesmos motivos expostos na seção que trata da Cédula Imobiliária Rural.

Para entender mais sobre os riscos da CPR em dólar, clique aqui.

Conclusão

Portanto, parece que a MP 897/2019 perdeu a oportunidade de trazer instrumentos mais seguros e eficazes para o setor produtivo rural. Ao contrário, seu texto privilegia apenas o setor financeiro.

Não é muito lembrar que os produtores rurais são totalmente dependentes de crédito para produzir e, embora tenham se profissionalizado muito nos últimos anos, ainda é um setor majoritariamente constituído por pequenos e médios produtores, os quais, a partir de agora, poderão ter que lidar com contratos atrelados ao dólar ou cédulas que podem levar à expropriação de seus imóveis de forma muito rápida.

Tobias Marini de Salles Luz – advogado (OAB/PR 43.834) na Lutero Pereira & Bornelli – advogados associados. Contato: (44) 9 9158-2437 (whatsapp)tobias@direitorural.com.brwww.pbadv.com.br

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