1 – Já registramos em nossa obra, Arrendamento Rural Avançado, que “a norma que estabelece princípios de Direito Agrário deve ser lida com a importância que requer sua própria finalidade, a saber, dispor sobre princípios a serem observados nos contratos agrário” (ARRENDAMENTO RURAL AVANÇADO, Juruá, 2019, p.43), e a norma em referência é a Lei nº 4.947/66.
2 – Ao adotar o entendimento de que o Estatuto da Terra, no que diz respeito ao direito de preferência, deve ser aplicado para proteger somente o arrendatário cultivador direto e pessoal, adjetivação que decorre do contido no art. 8º, Decreto nº 59.566/66, negando tal benefício ao arrendatário cultivador direto, expressão encontrada no seu art. 7º, o STJ (REsp 1.447.082), data venia maxima, não faz a melhor aplicação da Lei.
3 – É sabido que a norma regulamentada desconhece as qualificações de arrendatários, bem assim o tratamento diferenciado assegurado entre eles, o que seria bastante para a Corte não adotar a restrição imposta pela norma regulamentadora, o que não aconteceu.
4 – Dentro do ambiente constitucional, ao decreto é dado somente assegurar a “fiel execução” da lei (Art. 84, IV/CF), estando longe do poder regulamentador de restringir ou ampliar direitos.
5 – Aliás, o próprio Superior Tribunal de Justiça, em acórdão citado na obra indicada (p. 35), já havia reconhecido que o Decreto nº 59.566/66 exorbitou do seu poder regulamentador ao tratar de outra questão (art. 13, inc. II, letra “a”) de forma diferente do que dispõe a Lei regulamentada, a saber, a Lei nº 4.504/64, de modo que nesta parte não poderia ser aplicado.
6 – Observando a Lei nº 4.947/66, notadamente em seu art. 13, I, se nota que a posse e o uso temporário da terra, como norma de Direito Agrário, estão sujeitos aos artigos 92, 93 e 94 da Lei nº 4.504/64.
7 – O direito de preferência, a seu turno, está contemplado justamente no parágrafo 3º do art. 92 da Lei 4.504/64, e ali deferido em favor de todo arrendatário, independentemente do tipo em que eventualmente possa se enquadrar.
8 – Portanto, se a Lei que trata das “normas de Direito Agrário” reconhece que os artigos 92, 93 e 94 da Lei nº 4.504/64 se aplicam ao contrato de arrendamento rural, e dentro desta tríade de artigos está aquele que trata do direito de preferência, garantindo-o a todo e qualquer arrendatário, nenhum regulamento pode dizer menos do que a Lei que estabelece as normas de Direito Agrário diz, quiçá o que a Lei regulamentada dispõe.
9 – Com efeito, quando o inciso V do Art. 13 da Lei nº 4.947/66 estabelece como norma de Direito Agrário a proteção social e econômica dos arrendatários cultivadores direitos e pessoais, isto não dá ao intérprete o direito de presumir que o direito de preferência é exclusivamente destes, mesmo porque inexiste qualquer previsão no Estatuto da Terra neste sentido.
10 – Pelo contrário, quando o inciso I do mesmo Art. 13 da Lei 4.947/66 dispõe que, como norma de Direito Agrário, o uso e a posse temporária da terra estão sujeitos aos artigos 92, 93 e 94 da Lei 4.504/64, o bom intérprete deve entender que o direito de preferência está estendido a todo e qualquer tipo de arrendatário, já que é assim que dispõe o parágrafo 3º do art. 92.
11 – Se o Decreto nº 59.566/66 vai além da Lei nº 4.504/66, criando tipos de arrendatários e fazendo discriminação entre eles, inclusive para privilegiar uns em detrimento de outros, é evidente que neste particular exorbita do seu poder regulamentar e perde eficácia para aplicação, sendo forçoso reconhecer que o direito de preferência no arrendamento rural está assegurado a todo e qualquer tipo de arrendatário, pois esta foi a intenção do legislador quando o instituiu.
Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio em Maringá (PR). Contato: www.lpbadv.com.br / [email protected]
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