Em tempos de moeda instável é comum surgirem contratos, sejam de empréstimos, sejam de venda, onde as partes, para proteger seus capitais, acabam optando por fixar os pagamentos em moeda estrangeira ou, quando não, fixando a correção da dívida segundo a variação cambial, além de estabelecer juros em taxas elevadas.
Ao tempo em que negociam, no entanto, os contratantes nem se dão conta de que existe lei disciplinando o uso tanto da moeda estrangeira no território nacional, quanto o emprego da variação cambial e também das taxas de juros. Não se preocupam com estes detalhes, pois fazem o negócio dentro do entendimento que tudo continuará bem, e que a parte que deverá pagar não sofrerá nenhum revés que lhe retire a condição de cumprir sua parte no tempo convencionado.
Quando a economia entra em desajuste, como é o caso atual, e o devedor fica incapacitado de honrar seu compromisso por condições alheias a sua vontade, aí assim os contratantes vão repensar o negócio e descobrem que o contrato que firmaram, seja de empréstimo, seja de venda, não tem a devida proteção da Lei pois ou o pagamento em dólar é ilegal, a utilização da variação cambial está vedada e a taxa de juros utilizada não tem amparo.
Relativamente aos contratos em dólar somente aqueles que estão sob o amparo do Decreto-Lei 857/69, e eles não são muitos e estão indicados expressamente no seu art. 2º, é que têm validade. Por outro lado, no que diz respeito à variação cambial, a Lei 8.880/94 diz que é nula a sua pactuação nos contratos em geral, enquanto a Lei 10.192/2001 dispõe que, em regra, as estipulações de pagamento em moeda estrangeira não têm acolhida.
A Lei abre a contratação do pagamento em moeda estrangeira a uns poucos contratos, por que a regra que impera no País impõe a utilização do Real como moeda de pagamento, e o contrato que contraria a norma não tem força jurídica suficiente para obrigar o devedor ao seu cumprimento.
Como atualmente a economia está empurrando os contratantes para a renegociação do endividamento, principalmente daqueles contratos que têm dívida em dólar, pois os devedores estão incapacitados de cumprir o que foi estipulado, neste momento a questão da ilegalidade das cláusulas aparece, pois a Lei mesmo diz que cláusula nula não pode nem mesmo ser confirmada ou ratificada pelas partes.
Sem considerar a questão da nulidade do pagamento contratado em dólar ou da cláusula de variação cambial, ainda deve ser considerado que em muitos contratos a taxa de juros é ilegal, principalmente naqueles que se sujeitam a Lei de Usura onde a limitação do índice está estipulada.
Já que o momento econômico requer prudência, a renegociação destas dívidas deve ser feita de maneira a ser efetivamente cumprida dentro do novo calendário que será fixado, o que exige que os números sejam menores e que o prazo seja maior, pois se o prazo é pequeno e os números são grandes, no tempo o problema voltará.
Portanto, toda renegociação deve ser conduzida com passos cautelosos para não se confessar números manifestamente ilegais que comprometerão ainda mais o patrimônio de quem vai pagar. Afinal, a história é testemunha de que renegociação feita às pressas e sem um mínimo de orientação, tende mais a complicar do que a trazer solução para o endividado, como foi o caso dos produtores rurais que aderiram ao PESA.
No direito brasileiro impera a vontade da Lei e não a das partes, de modo que se o contrato não está de acordo com a Lei, mesmo que tenha sido assinado, não tem como obrigar quem dele participou.
Lutero de Paiva Pereira – Advogado
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