O Manual de Crédito Rural (MCR) codifica as normas aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e aquelas divulgadas pelo Banco Central do Brasil (BCB), as quais são aplicáveis às operações de crédito rural, que se subordinam aos preceitos da Lei 4.829/65, da Lei 8.171/91 e dos artigos 1º a 8º do DL 167/67.
No nosso MANUAL JURÍDICO DO CRÉDITO RURAL (2020), escrevemos que o crédito rural está sujeito ao chamado dirigismo contratual, onde todas as condições do contrato ficam sujeitas ou à Lei, ou à disciplina lançada pela Autoridade competente.
Assim, ao contratar um financiamento rural, produtor rural e banco, ou seja, mutuário e mutuante, sabem que deverão conduzir a aplicação dos recursos de acordo com as normas do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Como o crédito rural traz em seu bojo objetivos social e privados, respectivamente, o bem-estar do povo (Art. 1º, da Lei 4829/65) e o fortalecimento econômico do produtor rural (Art. 3º, III, da Lei 4829/65), as normas do Conselho se prestam a encaminhar o mútuo para a concretização de ambos.
Uma das normas do Conselho que se volta à proteção do mutuário rural visando seu fortalecimento econômico (Lei 4829/65, Art. 3º, inciso III) é justamente aquela que o protege nos momentos em que, por frustração de safra, problema de mercado ou outro fator, ele perde a capacidade de pagamento para cumprir o contrato.
Esta norma de proteção que o salva de uma execução judicial do contrato, bem como de um endividamento perigoso, está inscrita no Manual de Crédito Rural (MCR 2.6.4), assegurando-lhe o direito de prorrogar a dívida.
O fundamento fático-jurídico autorizador do pedido de alongamento da dívida é a PERDA TEMPORÁRIA DA CAPACIDADE DE PAGAMENTO do mútuo, conforme inscrito no item 4, da seção 6, do capítulo 2 do Manual de Crédito Rural.
Com a prova de que sua capacidade de pagamento foi temporariamente reduzida em razão de um dos fatores indicados no referido normativo, o que o impede de pagar o financiamento nos prazos inicialmente definidos na cédula de crédito rural (CCR) ou na cédula de crédito bancário (CCB), o alongamento da dívida se torna um direito certo e incontroverso.
No entanto, é preciso destacar que existe outro dispositivo no Manual de Crédito Rural que também autoriza o mutuário rural a pedir o alongamento da dívida originária de crédito rural, o qual não se confunde com o MCR 2.6.4, pois o pleito nada tem a ver com a perda temporária da capacidade de pagamento do mutuário.
O referido normativo está inscrito no MCR 3.2.15, o qual estabelece três condicionantes para o exercício do direito ali protegido.
O pressuposto básico do MCR 3.2.15 é que o produtor rural não teve perda da safra, visto que na letra “c”, do referido dispositivo (MCR 3.2.15. c), está posto que ele fica obrigado a “apresentar comprovante de que o produto está armazenado, mantendo-o como garantia de financiamento”.
Ora, se o mutuário deve comprovar que o produto está armazenado, é porque não houve frustração da safra, diferentemente com o que ocorre com o previsto no MCR 2.6.4. “a” no qual a perda da safra é o fato a ser comprovado.
Existindo duas normas diferentes no Manual, tratando do mesmo direito, isto é, de alongar a dívida rural, mas cada uma aplicada conforme a realidade fática constatada, a saber, perda da capacidade de pagamento (MCR 2.6.4) e capacidade de pagamento não perdida (MCR 3.2.15), não é possível aplicar ambas concomitantemente.
Sendo assim, qual a norma a ser aplicada nos casos em que o mutuário rural pede o alongamento de sua dívida?
A resposta parece bastante simples.
Se o mutuário rural formalizou o pedido de alongamento da dívida em razão de perda temporária da capacidade de pagamento em face de frustração de safra, problema de mercado ou de desenvolvimento da lavoura, a norma aplicável é o MCR 2.6.4.
De outra parte, se o pedido do alongamento da dívida rural não tem por base a perda temporária da capacidade de pagamento, visto que houve produção e esta se encontra devidamente armazenada, a norma a conduzir o pleito é o MCR 3.2.15.
Deste modo, é manifestamente improcedente sujeitar o pedido de alongamento de dívida embasado no MCR 2.6.4 às condicionantes previstas no MCR 3.2.15, do mesmo modo que é descabido sujeitar o pedido formulado nos termos do MCR 3.2.15 às condicionantes previstas no MCR 2.6.4.
Afinal, basta o seguinte raciocínio para evidenciar a incomunicabilidade dos dispositivos. Com efeito, se o pedido de alongamento fundado no MCR 2.6.4 tivesse que ser formulado antes do vencimento do título, o que a condicionante prevista na letra “a” do MCR 3.2.15 exige, do mutuário deveria também ser exigida a apresentação do comprovante de depósito da produção, conforme previsto na letra “c” do mesmo dispositivo, o que seria juridicamente impossível em face da frustração da safra (MCR 2.6.4.”a”).
Sendo assim, ou se exige o cumprimento de todas as condicionantes do MCR 3.2.15 ou não se exige o cumprimento de nenhuma delas. E, como o alongamento embasado no MCR 2.6.4 não consegue satisfazer a exigência constante da letra “c” do MCR 3.2.15, o pedido fundado naquele dispositivo (MCR 2.6.4) não pode ficar sujeito ao preenchimento das condicionantes previstas neste (MCR 3.2.15).
Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio em Maringá (PR). Contato: (44)99158-2437 (whatsapp) / pb@pbadv.com.br / www.pbadv.com.br
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