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Alongamento de dívida rural – 3 procedimentos distintos

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Olhando para o Manual de Crédito Rural (MCR), detecta-se que o alongamento de dívida rural se destina a proteger o mutuário em face de três situações fático-jurídicas diferentes, sustentado em três normas específicas, com observância de três procedimentos distintos.

Cada caso deve ser analisado de conformidade e segundo as exigências que lhe são próprias, tendo em conta a norma a ele aplicada. Sendo assim, na aplicação da norma ao caso concreto, não pode ocorrer do mutuário ser constrangido a cumprir um requisito normativo que é próprio e só aplicável a outro procedimento, sob o risco de comprometer a própria filosofia protecionista que justificou o estabelecimento de vários procedimentos.

Portanto, considerando que são três normas regulamentando três realidades fático-jurídicas e estabelecendo três procedimentos específicos, é preciso entender o alcance de cada uma a fim de bem tratar a questão.

Da norma contida no MCR 2.6.4

A primeira norma a considerar é o alongamento regulamentado pelo MCR 2.6.4 [1], que, diga-se de passagem, é o mais utilizado nos financiamentos rurais.

Esta norma e procedimento alcançam as operações de crédito rural de custeio e de investimento contratados com recursos comuns do crédito rural (recursos obrigatórios, recursos da caderneta de poupança, recursos próprios livres, etc.) e tem como objetivo central proteger o mutuário em face de inadimplemento involuntário.

O aludido regramento se destina a amparar ou proteger o mutuário rural que comprove a dificuldade temporária para o reembolso do crédito em razão de uma ou mais dentre as situações que indica, a saber, frustração de safra por fatores adversos, dificuldade de comercialização do produto ou eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.

Em qualquer das situações indicadas, o que deve ser levado em conta é a proteção a ser dada ao produtor rural para evitar endividamento pernicioso e seus efeitos negativos. 

Com efeito, o crédito rural foi institucionalizado em prol do produtor rural, visto que, dentre seus objetivos principais, estão o seu fortalecimento econômico e rentabilidade conforme outros setores, segundo decorre da conjugação do art. 3º, inc. III da Lei 4829/65, com o art. 2º, inc. III da Lei 817/91.

As condicionantes para o mutuário exercer o direito de alongar e as condições para o mutuante processar o pedido de alongamento em caso de perda temporária da capacidade de pagamento estão presentes no MCR 2.6.4 e só estas devem ser observadas. Cabe à instituição financeira, no estudo de viabilidade do pedido, não ir além do que lhe faculta o procedimento, isto é, não pode aumentar os encargos financeiros pactuados no instrumento de crédito, nem exigir novas garantias. Deve, isto sim, atestar a necessidade de prorrogação e demonstrar a capacidade de pagamento do mutuário para cumprir o novo cronograma de pagamento.

Frise-se, outrossim, que a norma não fixa nenhum prazo ou data para que o mutuário solicite junto ao credor a prorrogação em questão, de maneira que a instituição não pode estabelecer tal condicionante para o devedor.

Às condicionantes previstas expressamente no MCR 2.6.4 não podem ser adicionadas nenhuma das condicionantes presentes no MCR 3.2.15 ou no MCR 11.

Da norma contida no MCR 3.2.15

A segunda norma está prevista no MCR 3.2.15 [2] e, diferentemente daquela contida no MCR 2.6.4, que se aplica ao mutuário que teve sua capacidade de pagamento comprometida em razão de um ou mais fatores, se destina a mutuário que não perdeu sua capacidade de pagamento, pois teve produção em ordem.

O que se observa nesta norma são algumas características interessantes, a saber: 1ª – ela se aplica exclusivamente aos financiamentos de custeio agrícola; 2ª o produto colhido deve ser dado em garantia do alongamento; e 3ª – o pedido de alongamento deve ser protocolado depois da colheita e antes do vencimento da operação.

Por sua vez a instituição financeira deve atentar para a fixação do novo reembolso, bem como reclassificar a operação, se for o caso.

Assim, condicionantes do MCR 2.6.4 ou do MCR 11.1.4 não podem ser adicionadas às condicionantes do MCR 3.2.15.

Da norma contida no MCR 11.1.4 

A terceira e última norma está presente no MCR 11 [3] e se aplica somente aos programas de crédito rural com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Agência Especial de Financiamento Industrial (FINAME), sujeitos à subvenção pelo Tesouro Nacional.

O alongamento em questão tem maior complexidade para seu processamento e observa as condicionantes previstas no MCR 11.1.4 em diante, dentre as quais convém destacar as seguintes: comprovação da dificuldade temporária para reembolso do crédito nos moldes previstos no MCR 2.6.4; renegociação da parcela comprometida; recolhimento dos juros em aberto.

Do mesmo modo como as condicionantes do MCR 2.6.4 não podem ser acrescidas às condicionantes do MCR 3.2.15 ou vice-versa, às do MCR 11.1 não podem ser acrescidas nenhuma das condicionantes previstas no MCR 2.6.4 ou no MCR 3.2.15.

Conclusão

Considerando que o crédito rural está sob disciplina exclusiva e indelegável do Conselho Monetário Nacional (Art. 14, da Lei 4829/65), a qual está materializada no Manual de Crédito Rural (MCR), toda e qualquer modificação do financiamento rural, seja para alongar o prazo de pagamento, seja para diminuir o período do reembolso, ou qualquer outro ponto, a alteração somente pode ser processada sob autorização expressa da referida autoridade monetária que, em regra, está contida no referido Manual.

Deste modo, se o Conselho já estabeleceu três tipos de alongamentos de dívida rural, cada qual com um conjunto próprio de condicionantes para atender situação jurídica especifica, a prorrogação do débito deve se processar com observância exclusiva das regras e condicionantes que estão prevista em cada norma, a saber, MCR 2.6.4, MCR 3.2.15 ou MCR 11.1.4.

Assim, não pode o financiador tentar inovar, transportando para um normativo condição ou condicionante que é própria do outro, sob pena de sofrer fiscalização e aplicação de sanção pelo Banco Central, o qual detém competência disciplinar na matéria.

De outra parte, se o alongamento for levado ao exame do Poder Judiciário, este também não poderá mudar as normas do Conselho, por exemplo, exigindo que o mutuário que pleiteia alongamento com base no MCR 2.6.4 cumpra exigências de alongamento previstas somente no MCR 3.2.15. Se, no entanto, assim o faz, por exemplo, exigindo a notificação do credor antes do vencimento do financiamento, salvo melhor juízo, pratica o odioso ativismo judicial.

Tendo em vista que o alongamento de dívida rural é um mecanismo criado pelo Conselho Monetário Nacional para proteger o mutuário rural, a instituição financeira e o Poder Judiciário não podem exigir mais do que a referida Autoridade exige para a concessão do benefício, sob o risco de comprometerem a filosofia das medidas.

Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio em Maringá (PR). Contato: (44)99158-2437 (whatsapp) / pb@pbadv.com.brwww.pbadv.com.br

[1] 4 – Fica a instituição financeira autorizada a prorrogar a dívida, aos mesmos encargos financeiros pactuados no instrumento de crédito, desde que o mutuário comprove a dificuldade temporária para reembolso do crédito em razão de uma ou mais entre as situações abaixo, e que a instituição financeira ateste a necessidade de prorrogação e demonstre a capacidade de pagamento do mutuário: (Res CMN 4.883 art 1º; Res CMN 4.905 art 1º)

a) dificuldade de comercialização dos produtos; (Res CMN 4.883 art 1º)

b) frustração de safras, por fatores adversos; (Res CMN 4.883 art 1º)

c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações. (Res CMN 4.883 art 1º)

[2] 15 – Admite-se o alongamento e a reprogramação do reembolso de operações de crédito destinadas ao custeio agrícola, observadas as seguintes condições: (Res CMN 4.883 art 1º)

a) o mutuário deverá solicitar o alongamento após a colheita e até a data fixada para o vencimento;

b) o reembolso deve ser pactuado em observância ao prazo adequado à comercialização do produto e ao fluxo de receitas do beneficiário;

c) o produtor deve apresentar comprovante de que o produto está armazenado, mantendo-o como garantia do financiamento;

d) em caso de operações classificadas com fonte de recursos controlados, deve ser realizada a reclassificação para recursos não controlados.

[3] 4 – A instituição financeira, a seu critério e nos casos em que ficar comprovada a dificuldade temporária para reembolso do crédito em vista das situações previstas no MCR 2-6-4, pode renegociar as parcelas de operações de crédito de investimento rural contratadas com recursos do BNDES e subvencionadas pelo Tesouro Nacional, com vencimento no ano civil, desde que a instituição financeira ateste a necessidade de prorrogação e demonstre a capacidade de pagamento do mutuário, observadas as seguintes condições: (Res CMN 4.889 art 1º; Res CMN 4.905 art 5º; Res CMN 5.099 art 15)

a) o valor das parcelas prorrogáveis é limitado a 8% (oito por cento) do valor das parcelas de amortização de que trata o caputvincendas na instituição financeira, no respectivo ano civil; (Res CMN 4.889 art 1º)

b) a base de cálculo do limite de 8% (oito por cento) é o somatório dos valores das parcelas de principal relativas a todos os programas agropecuários de que trata o caput, com vencimento no respectivo ano, apurado em 31 de dezembro do ano anterior; (Res CMN 4.889 art 1º)

c) para efetivar a renegociação, o mutuário deve pagar até a data do vencimento da parcela, no mínimo, o valor correspondente aos encargos financeiros devidos no ano; (Res CMN 4.889 art 1º)

d) até 100% (cem por cento) do valor das parcelas do principal com vencimento no ano pode ser incorporado ao saldo devedor da operação e redistribuído nas parcelas restantes, ou ser prorrogado para até 12 (doze) meses após a data prevista para o vencimento vigente do contrato, mantidas as demais condições pactuadas; (Res CMN 4.889 art 1º)

e) cada financiamento pode ser beneficiado com até 3 (três) renegociações ao amparo deste item; (Res CMN 5.099 art 15) (*)

f) a instituição financeira está autorizada a solicitar garantias adicionais, entre as previstas no MCR, quando da renegociação de que trata este item; (Res CMN 4.889 art 1º)

g) a instituição financeira deve atender prioritariamente, com as medidas previstas neste item, os produtores com maior dificuldade em efetuar o pagamento integral das parcelas nos prazos estabelecidos; (Res CMN 4.889 art 1º)

h) os mutuários devem solicitar a renegociação de vencimento da parcela do principal até a data prevista para o respectivo pagamento; (Res CMN 4.889 art 1º)

i) o pedido de renegociação do mutuário deve vir acompanhado de informações técnicas que permitam à instituição financeira comprovar o fato gerador da dificuldade temporária para reembolso do crédito, sua intensidade e o percentual de redução de renda decorrente. (Res CMN 4.905 art 5º)

5 – A formalização da renegociação de que trata o item 4 deve ser efetuada pela instituição financeira em até 60 (sessenta) dias após o vencimento da respectiva prestação. (Res CMN 4.889 art 1º)

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